domingo, 5 de junho de 2011

Consultor Jurídico

Texto publicado quarta, dia 1º de junho de 2011
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TJ paulista absolve médicos suspeitos de homícidio
Por Fernando Porfírio

O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a absolvição sumária de três médicos suspeitos de homicídio na modalidade de dolo eventual. Eles eram acusados de terem transplantado um fígado para uma paciente sem que o órgão estivesse em condições para cirurgia. O transplante foi feito em maio de 2003, no Hospital Israelita Albert Einstein, um dos centros credenciados para o transplante de fígado na capital paulista. A decisão, por votação unânime, foi tomada nesta terça-feira (31/5), pela 4ª Câmara Criminal.

A defesa do médico Sérgio Mies argumentou que não se pode afirmar que os médicos agiram de forma irresponsável, assumindo e consentindo o risco de provocar a morte da paciente, quando o intuito da equipe médica era salvar a doente.

A paciente morreu quatro meses depois da cirurgia. Sérgio Mies, Paulo Celso Bosco Massarollo e Carlos Eduardo Sandoli Baía — os dois últimos defendidos pelo advogado José Luis Oliveira Lima — integravam a equipe responsável pelo transplante. A sentença de primeira instância, assinada pelo juiz Cassiano Ricardo Zorzi Rocha, da 5ª Vara do Júri, absolveu os médicos da acusação de que, ao fazerem o transplante de fígado, agiram em solidariedade e assumiram o risco de provocar a morte da vítima Téa Fentanis, de 56 anos.

Insatisfeita com o resultado do julgamento, a assistente de acusação entrou com recurso no Tribunal de Justiça para cassar a sentença e submeter os suspeitos a júri popular. Segundo a acusação, o fígado havia sido rejeitado pelos médicos de 74 pacientes antes de chegar à mulher. O órgão ainda teria grande quantidade de gordura e estaria fora do corpo do doador por quase 12 horas.

Os argumentos usados foram os de que a vítima não estava em estado terminal e que os médicos assumiram o risco de enxertar na paciente um órgão em condições duvidosas de aptidão para transplante. Segundo a advogada que atuou como assistente do Ministério Público, o fígado apresentava alto índice esteatose (nível de gordura, que estaria em patamar de 40% a 50%), além de apresentar isquemia (ter ficado muitas horas foram do corpo humanos depois de ser retirado do doador).

“Evidente que a operação de transplante é ato cirúrgico de risco”, afirmou o desembargador Edison Brandão, relator do recurso. “Assumir o risco de produzir o resultado morte é inerente a qualquer procedimento cirúrgico, ainda mais quando o paciente possui quadro clínico com tantas patologias como a vítima”, analisou o relator.

Para Edison, no entanto, a prova aponta no sentido de que o transplante foi bem sucedido. O fígado colocado no corpo da vítima funcionou, não ocorrendo a disfunção primária, e a paciente sobreviveu alguns meses após o transplante. Na conclusão do relator, o órgão implantado na vítima não estava condenado, como alega a assistente de acusação. Segundo Brandão, o fígado enxertado encontrava-se em condições adequados para ser transplantado, não assumindo os apelados o risco de produzir o evento morte da ofendida.

A turma julgadora entendeu que os médicos ouvidos no processo foram categóricos em informar que caso o fígado fosse de má qualidade, com alto grau de gordura, teria ocorrido a disfunção primária, ou seja, não funcionamento após a implantação, com graves consequências pós-operatórias exigindo, quase sempre, retransplante de caráter de urgência.

“Se houve algum risco assumido pela equipe médica integrada pelos apelados, foi o risco de discordar das informações passadas por telefone pela Central de Transplantes e aceitar o órgão, enquanto todas as outras equipes o recusavam, apostando no exame visual do órgão que foi feito pelo apelado Paulo Celso, tido como um dos mais experientes de sua área”, destacou o relator.

Sobre a qualidade do órgão transplantado e a recusa dos médicos de outros pacientes em recebê-lo, a turma julgadora concluiu que nenhuma equipe viu o fígado, só o recusando com base em informação da Central de Transplante, que dava conta de que o nível de gordura era de 40% a 50%. O dado foi contestado pela biópsia feita pela equipe médica que fez o transplante. O resultado concluiu que o nível de esteatose era de 10%.

Fernando Porfírio é repórter da revista Consultor Jurídico