quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Zero Hora

14 de outubro de 2009 N° 16124

ARTIGOS
Não faltam doadores. Falta doação, por Francisco Neto de Assis*

Segundo o artigo “Sobre os transplantes”, publicado na edição de 7 de outubro de 2009, o principal gargalo na questão dos transplantes de órgãos é a doação.
De fato, essa é uma verdade óbvia.
Entretanto, em que pese o aparente paradoxo levantado pelo autor daquele artigo, segundo o qual o paciente vale mais morto do que vivo, alguns aspectos dessa questão precisam ser esclarecidos.
De fato, costumamos dizer que os doadores existem, o que falta é doação. Segundo pesquisa recente encomendada pela Adote ao Instituto Datafolha, a maioria da população brasileira (64%) acima de 16 anos, independentemente de escolaridade, faixa de renda, classe social e religião, doaria seus órgãos após a morte.
Considerem-se também as seguintes premissas baseadas em estatísticas já bem conhecidas:
a) a prevalência das circunstâncias que levam alguém à situação de morte encefálica, condição para ser um possível doador, é da ordem de 60 a 80 casos por milhão da população por ano;
b) de cada cem famílias brasileiras a quem se oferece a oportunidade de doar os órgãos de um ente querido em situação de morte encefálica, cerca de 70 autorizam a doação.
Desse modo, se todos os diagnósticos fossem notificados para as Centrais de Transplante, existiriam pelo menos entre 11 e 14 mil possíveis doadores por ano, ou entre 7 e 10 mil potenciais doadores (possível doador com autorização familiar).
O que acontece é que menos da metade dos diagnósticos de morte encefálica é notificada.Ora, a notificação do diagnóstico de morte encefálica é um ato médico de natureza compulsória. Logo, a falta de doação é decorrente não da falta de solidariedade da população, mas da falta de oportunidade de manifestar essa solidariedade que a notificação proporcionaria.
O Ministério da Saúde está desenvolvendo uma campanha em que enfatiza este aspecto da notificação, ao chamar a atenção dos profissionais de saúde para o fato de que a vida é feita de conversas e que o nobre ato de identificar possíveis doadores de órgãos e tecidos não acaba nos testes e exames clínicos.
É bom também lembrar que ser doador é mais do que permitir que nossa vida continue na de outros. Ser doador é doar nosso conhecimento, nossas capacidades, nossas habilidades profissionais e pessoais para promover, entre todos, o valor da doação de órgãos.
*Presidente da Adote – Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos