terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

ABTO - RBT

Registro Brasileiro de Transplantes
Veículo Oficial da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos
Ano XV - no 4 - Janeiro/Dezembro 2009
RBT • ABTO
Jan/DEZ 2009



EDITORIAL Ano de 2009


O ano de 2009 foi positivo em termos de doação e transplante no país, tanto que as metas propostas – de 8,5 doadores efetivos por milhão de população (pmp), de 4.000 transplantes de rim e de 1.300 de fígado – foram superadas. Terminamos o ano com 1.658 doadores (8,7 pmp)
e com 4.259 transplantes renais e 1.322 hepáticos. Esses são os melhores resultados já obtidos no país e nos permitem antever que podemos alcançar em 2010 o nosso objetivo de 10 doadores pmp, de 4.800 transplantes renais e de 1.500 transplantes hepáticos, desde que se mantenha o empenho de todos os setores envolvidos.


Obtivemos um crescimento de 26% na taxa de doação, devido ao aumento de 16% na taxa de efetivação, que passou de 22% para 25,5% (ainda distante do nosso objetivo de 40%) e um aumento de 8% na taxa de notificação, que passou de 32,5 pmp para 34,2 pmp (também, ainda longe da meta prevista para 2017 de 50 notificações pmp).


Em relação à taxa de doação nos Estados, observamos duas situações que merecem uma análise um pouco mais detalhada, a dos Estados populosos com baixa taxa de doação e a dos Estados da região Norte. A primeira situação é a de Minas Gerais (7,4 doadores pmp), Rio de Janeiro (4,4 doadores pmp) e Bahia (3,8 doadores pmp), que juntos têm 25% da população do Brasil. Se estes tivessem obtido a taxa de doação do país (8,7 pmp), teríamos 9,6 doadores pmp, próximos da meta para 2010 (10 pmp). Um esforço concentrado nesses Estados pode ser uma estratégia interessante para esse ano.
A segunda situação e, seguramente, a mais trágica, é a da região Norte. Seus sete Estados concentram 40% do território nacional, 8,1% da população e uma taxa de doação ínfima (1 pmp). Somente o Acre e o Pará utilizam doadores falecidos, demonstrando a necessidade urgente de se desenvolver projetos de incentivo à doação e ao transplante nessa região, como uma estratégia, até, humanitária.


O fato a ser comemorado é que em apenas quatro Estados houve queda na doação (MG, RJ, RN e RS), em um houve estagnação (AL) e nos demais 16 Estados e no DF houve crescimento – destacando-se Santa Catarina que se aproxima dos 20 doadores pmp (19,8).

Os transplantes renais apresentaram um crescimento de 12% às custas do transplante com doador falecido, que aumentou 24,2%. Enquanto que o transplante renal com doador vivo diminuiu 2,4%. E essa queda foi de 10,7% no doador vivo não parente, que passou de 6,9% para 6,3%. Pela primeira vez, 60% dos transplantes renais foram obtidos de doador falecido.
Como nos últimos anos, a taxa de aproveitamento dos rins de doador falecido foi de 80%. São Paulo (42,8 pmp) e Santa Catarina (42,5 pmp) ultrapassaram os 40 transplantes renais pmp nesse ano.


Os transplantes hepáticos cresceram 12,4% às custas dos transplantes com doador falecido, que aumentaram 14%. Embora o número de transplantes com doador vivo tenha permanecido inalterado, pela primeira vez nos últimos nove anos a taxa ficou abaixo dos 10% (9,2%). Houve uma queda na taxa de aproveitamento do fígado, que passou de 84% em 2008 para 72% em 2009. Santa Catarina (16,2 pmp) e São Paulo (16,2 pmp) obtiveram taxa superior a 15 transplantes hepáticos pmp.


O número de transplantes cardíacos permaneceu inalterado, com uma taxa muito baixa no país (1,1 pmp). O aproveitamento do coração caiu de 15% em 2008 para 12% nesse ano. Apenas Ceará (3 pmp) e Distrito Federal (2,9 pmp) realizaram mais do que 2,5 transplantes cardíacos pmp. Já os transplantes pulmonares apresentaram um crescimento de 11,1%, mas o número é muito baixo: apenas 59 transplantes em 2009 (0,3 pmp). O aproveitamento dos pulmões é de somente 4% e apenas o Rio Grande do Sul (3,7 pmp) realizou mais que um transplante pmp.


Os transplantes de pâncreas vêm apresentando uma pequena queda desde 2004, tendo sido de 8,1% nesse ano. O aproveitamento do pâncreas caiu de 13% em 2008 para 10% dos doadores em 2009. Os transplantes de pâncreas isolado foram responsáveis por 10% e os transplantes de pâncreas após rim por 15% dos transplantes de pâncreas no país. Todos foram realizados em São Paulo (3,9 pmp).


Uma recomendação final: não se deve utilizar a taxa de doadores por milhão de população para as cidades. Essa medida deve ser apenas para Estados, regiões ou países. Pois, nas capitais a taxa
será invariavelmente mais alta – a população atendida pelos hospitais das capitais é maior que a população real.
Apenas como exemplo nesse ano, se utilizássemos esse indicador, que NÃO deve ser empregado, em Florianópolis teríamos 63,1 doadores pmp, Porto Alegre 38,5 pmp, Belo Horizonte 36,5 pmp, Fortaleza 32,5 pmp e São Paulo 30,3 pmp.


Vamos desde o início de 2010 aprimorar as medidas educacionais e organizacionais para que possamos novamente cumprir as metas propostas.
Bom ano a todos!
Valter Duro Garcia
Editor do RBT

Último Segundo

Muda o perfil do doador de órgãos do País
23/02 - 15:48 Fernanda Aranda, iG São Paulo

O País registrou recorde de doações de órgãos no ano passado e junto com os números nasceu um novo perfil de doador. Antes, o ponto de partida para salvar a vida de quem precisava de um novo coração, rim, pulmão ou fígado era mais bem mais trágico do que o atual.

As vidas salvas por um transplante iniciavam, em maioria, com um acidente de carro, um tiro, a queda de motocicleta ou outra morte violenta que transformava jovens com menos de 30 anos em doadores de órgãos. Agora, segundo dados divulgados hoje pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o quadro prevalente é outro.


Pela primeira vez, a faixa etária majoritária dos doadores do país ficou entre 41 e 60 anos (grupo que somou 41% nos dados), um pouco à frente da parcela entre 18 e 41 anos (40%). Também está diferente o motivo que prevaleceu nas causas de morte encefálica – as doações só podem ser feitas nestes casos, quando o cérebro para de funcionar, mas outros órgãos não. Os traumatismos, que já foram maioria, deram lugar para os acidentes vasculares cerebrais (AVC) – 48% contra 41%.

A identificação de que os doadores estão mais velhos e são, na maioria, vítimas de doenças crônicas abre espaço para que as mulheres ocupem mais espaço nos estatísticas de doadores. Hoje, o sexo masculino responde por 59% e o feminino por 41%. A diferença é explicada porque, com a violência predominante entre os motivos de doação, elas ficam atrás nos números, já que eles – afirma o Ministério da Saúde – são mais suscetíveis aos assaltos, acidentes de trânsito e brigas. Com o aumento do AVC nos casos, a tendência é de equilíbrio de gêneros. E este novo perfil é comemorado pelos grupos de transplante, que só conseguem alterar o destino de seus pacientes quando um órgão compatível aparece.

Na avaliação de Ben-Hur Ferraz Neto, novo presidente da ABTO e médico da área no Hospital Albert Einstein, o novo cenário faz com que as doações de órgãos não precisem ser fundamentadas apenas nas sequelas da violência urbana, as grandes fábricas de traumas. “É uma boa notícia para toda sociedade. No mundo ideal, não teríamos uma doação originada em um trauma”, afirma.

Novos desafios para novos doadores

Saber da mudança de característica dos 1.658 doadores que no ano passado foram a ponte para a realização de 5.998 transplantes (aumento de 26% em relação a 2008) impõe novos desafios a este tipo de cirurgia. Alfredo Inácio Fiorelli, responsável pelos transplantes do Instituto do Coração (Incor), lembra que quanto mais velho o doador maior é o cuidado necessário para o aproveitamento dos órgãos.

Maria Cristina Ribeiro de Castro, da área de transplantes do Hospital das Clínicas reitera que “é necessário um trabalho mais investigativo por parte da equipe médica para identificar um potencial doador” quando a origem da morte encefálica não é um trauma. “A vítima de violência urbana entra no hospital já com todas as evidências de que poderá doar seus órgãos. Já no caso de um AVC, é preciso um acompanhamento mais próximo”, completou.

Menos recusa familiar

Ainda que o perfil de doadores esteja mudando, “uma tendência já mundial agora acompanhada pelo Brasil” – nas palavras de Rosana Nothen, coordenadora do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde – muitas histórias de transplantados cruzam com a de doadores em momentos de extrema violência. Um dos exemplos foi o da menina Eloá Pimentel, de 15 anos. Em outubro de 2008, ela foi assassinada pelo namorado após ser mantida em cárcere privado por quase três dias dentro de sua casa na grande São Paulo. Todo o sequestro foi acompanhado pela imprensa. Depois, a mídia noticiou que a morte da menina foi o início da “nova vida” de três pessoas que receberam seu coração, pâncreas e rim.

Para os especialistas em transplante, a prevalência de histórias como esta mostram que os médicos e equipes que atuam na captação de órgãos precisam ser treinados e estar preparados para abordar os parentes de potenciais doadores que chegam aos hospitais. É a forma de falar que pode reverter o índice atual de 21% de recusa familiar dentre os casos de insucesso da doação.

“Não importa se a morte encefálica foi motivada por um AVC ou um acidente de carro. É preciso saber acolher a família e capacitar os profissionais dos hospitais, saber dialogar”, afirma Ben-Hur, o presidente da ABTO. “Se a família não confia no sistema de saúde, não vai confiar na doação”, completa Alfredo Fiorelli, da área de transplante do Incor.