quarta-feira, 18 de março de 2009


Vida e Saúde
Terça, 17 de março de 2009, 17h32 Atualizada às 18h29


Entenda a morte cerebral e as regras para doação de órgãos

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Depois de uma série de exames ao longo do dia, como o doppler transcraniano - que mede o fluxo de sangue no cérebro do paciente -, a equipe médica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília (DF), confirmou a morte cerebral do deputado Clodovil Hernandes (PR-SP).

Agora, as autoridades de saúde do DF deverão avaliar as condições de alguns órgãos de Clodovil, como coração e rins, para verificar a possibilidade de encaminhá-los para a doação.

Mesmo que o paciente manifeste em vida o desejo de doar, cabe à família autorizar ou não a retirada de órgãos e tecidos. Mas, como o estilista não tem parentes próximos, amigos dizem que ele teria uma autorização judicial para o procedimento.

A notícia é rodeada por um forte impacto emocional especialmente porque aborda três assuntos que ainda geram muitas dúvidas e polêmicas entre os brasileiros: morte cerebral, doação e transplantes de órgãos.

Para tentar esclarecer algumas das questões mais freqüentes e derrubar alguns mitos, o Terra entrevistou Rogério Carballo Afonso, médico cirurgião da Equipe de Transplante de Fígado do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

Entre outras respostas que mostram o quanto o assunto é polêmico, por exemplo, o especialista garante que a família precisa autorizar a doação e que desconhece qualquer documento por escrito que garanta o procedimento.

Terra:É possível deixar algum documento escrito para comprovar a vontade de doar? Isso não garantiria a doação, independentemente da opinião dos familiares?
Rogério Carballo Afonso: Pela legislação brasileira, para ocorrer a doação de órgãos e tecidos é obrigatória a consulta aos familiares, até o 2º grau de parentesco (irmãos, pai, mãe, avós, netos) e maiores de 18 anos. Se não houver parentes para dar essa autorização, a doação não é feita.

Terra: Toda pessoa que morre pode ser considerada um potencial doador ou só em caso de morte encefálica?
RCA: A doação de órgãos - com exceção das doações feitas em vida - só pode ser feita com a detecção da morte encefálica, ou morte cerebral, como é mais conhecida. A morte por parada cardíaca possibilita apenas a retirada de tecidos, como córneas, pele, ossos e cartilagens. Em alguns países, são retirados órgãos de mortos por parada cardíaca, mas isso não ocorre no Brasil.
Terra: Em quais situações é determinada a morte cerebral (ou encefálica)?
RCA: Quando há a parada total e irreversível das funções cerebrais. Nesse caso, os outros órgãos do paciente, como o coração, continuam funcionando por meio de aparelhos. Para comprovar a morte encefálica, é preciso o diagnóstico clínico feito por, pelo menos, dois médicos diferentes, em um intervalo - normalmente a cada seis horas - que varia para cada faixa etária. Por último, é feito um exame complementar que comprove a ausência de atividade cerebral, seja ela atividade elétrica, metabólica ou ausência de circulação sangüínea.
Terra: É verdade que o Brasil é o campeão em doação de rim?
RCA: O Brasil é o segundo país em número de transplantes, em geral. O primeiro lugar fica com os Estados Unidos. No entanto, considerando a dimensão da população brasileira ainda estamos muito atrás.
Terra: Qual o tipo de doação mais freqüente no Brasil e a menos freqüente?
RCA: A doação de córneas é a mais realizada no País, porque é a mais simples no que diz respeito à técnica para realização do transplante. Além disso, este tecido pode ser retirado de doadores com morte cardíaca. No Estado de São Paulo, por exemplo, não há fila para o transplante de córneas. É preciso esperar apenas alguns dias para a cirurgia. Já os transplantes menos realizados são os de pulmão e coração, porque, mesmo com a intenção de doar, é mais difícil manter a qualidade desses órgãos.
Terra: Como estão as filas de transplantes hoje no Brasil? Continuam enormes ou a situação melhorou?
RCA: A desproporção é cada vez maior. Infelizmente, a fila de espera por transplantes ainda cresce muito mais que a quantidade de órgãos e tecidos doados.
Terra: A família pode escolher para quem o órgão será doado? Em que casos essa escolha pode ser feita?
RCA: A escolha só pode ser feita em caso do doador vivo. Já a família do doador falecido não pode direcionar os órgãos, que são oferecidos à lista de espera.
Terra: O que a lei diz sobre as famílias do doador e do receptor? Eles podem se conhecer?
RCA: Este não é um encontro estimulado para que o processo seja o mais isento possível. Caso o receptor ou sua família deseje saber quem foi o doador, a equipe que realizou a cirurgia de transplante não pode informá-los, até mesmo porque, em algumas situações, nem mesmo os médicos sabem a procedência do órgão.
Terra: Uma das principais dúvidas é sobre como fica o corpo da pessoa que doou os órgãos e tecidos. Há riscos de deformação?RCA: Esta é uma preocupação levada a sério pelas equipes responsáveis pela remoção de órgãos e tecidos. É respeitado todo o procedimento como em uma cirurgia normal. Ficam cortes, como em toda intervenção cirúrgica, mas que não são perceptíveis no velório, por exemplo, já que o corpo é velado com roupas. Não é possível identificar se um determinado corpo foi ou não doador.
Terra: Todos os hospitais no País estão preparados para fazer um transplante?
RCA: Pela lei (uma portaria assinada no dia 27 de setembro de 2005 pelo então ministro da Saúde, Saraiva Felipe), todos os hospitais públicos, privados e filantrópicos com mais de 80 leitos devem ter uma Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT). A função da comissão é identificar possíveis doadores e viabilizar a remoção dos órgãos, assim que for autorizada pela família do doador. Na prática, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País ou em cidades afastadas dos grandes centros, nem todos os hospitais possuem esse recurso ou nem sempre a comissão funciona da maneira que deveria. Terra: Quais os obstáculos que hoje dificultam o transplante no Brasil?
RCA: Claro que ainda faltam muitas equipes, principalmente fora das regiões Sul e Sudeste. Mas é preciso também esclarecer as dúvidas e mostrar que a retirada de órgãos é algo seguro e feito por profissionais preparados. Outro fator muito importante é deixar claro para as famílias o desejo de ser um doador. Não deixe essa decisão para um momento em que não é fácil racionalizar. Se um pai ou um filho sabe do desejo do parente, fica mais fácil ele autorizar a doação, até mesmo como uma forma de última homenagem.
Redação Terra

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