TRIBUNA DA BAHIA
Mais de 3 mil estão na fila de transplante de órgãos na Bahia
por Kelly Cerqueira
Publicada em 03/09/2013 00:33:17
Indicado apenas quando todos os métodos convencionais de cura não apresentam resultado, o transplante de órgãos e tecidos continua lotando as unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente, por falta de doadores. Setembro é o mês nacional de incentivo à ação e, no Brasil, apenas 30% das pessoas permitem o reaproveitamento de coração, pulmão, córneas, ossos, rins, fígado, partes do corpo humano que, a depender da causa da morte, podem ser transplantadas em outras pessoas. No país 95% dos transplantes são realizados pelo SUS, divididos em unidades públicas e particulares.
Na Bahia, a maior fila de espera é pelo transplante de rim, assim como em todo o país. Até meados do mês de agosto, 1.110 pessoas sofriam com a espera angustiante em todo o estado, dependendo apenas da boa ação de familiares que permitissem o reaproveitamento dos rins de seus entes queridos falecidos, já que, pela lei, apenas parentes de 1º e 2º grau podem consentir a doação de órgãos e tecidos de pessoas vítimas de parada cardíaca ou morte encefálica.
No caso do transplante de rins, outro fator agravante é a necessidade de compatibilidade entre os tecidos do órgão do doador e da pessoa implantada e esta é uma dos responsáveis pela enorme fila para este tipo de cirurgia, conforme informou Eraldo Moura, coordenador do Sistema Estadual de Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab). “Este é um problema enfrentado em todo o país, não só pela falta de doadores, mas pela complexidade que envolve as condições para a realização da cirurgia”, explicou.
Este é o problema enfrentado pela aposentada Marenize de Jesus, que desde 2004 foi diagnosticada com insuficiência renal crônica e até hoje não conseguiu um rim compatível. Na fila de espera desde 2008, ela já foi chamada sete vezes, mas, em todas as tentativas, os rins dos doadores não foram adequados ao seu. “Nem mesmo minha família pode ajudar, já que todos têm problemas de saúde”, contou Marenize que, pela falta de órgão compatível, realiza hemodiálise três vezes por semana, sem perder a esperança de que ainda conseguirá encontrar um doador de acordo com as especificidades do seu organismo.
No total, mais de três mil pessoas aguardam transplantes no estado, apenas uma pequena parcela das 45 mil que passam pela mesma situação em todo o país.
O transplante de córneas é o mais realizado na Bahia, segundo Moura. Por se tratar de um tecido, o procedimento não depende de compatibilidade entre os doadores para a realização da cirurgia, mas ainda assim, existe uma fila com quase 800 pessoas à espera de doação. Ele explica que a retirada do tecido a ser reaproveitado deve ser feita com até seis horas após a parada cardíaca do doador. “Apenas mortes causadas por tumores no globo ocular, linfomas e leucemia impedem o aproveitamento da córnea”, continuou.
Um dos beneficiados com este tipo de cirurgia foi o jovem Fagner dos Santos Silva, 24 anos, que desde criança apresentava problemas nos olhos, causados por uma alergia. “Eu coçava muito os olhos e isso acabou evoluindo para uma doença chamada de ceratocone, que deixa a córnea mais fina”, explicou. Com a doença, Fagner passou a perder boa parte da visão e precisou passar pelo transplante. “Eu já havia esperado dois anos e meio em Feira de Santana e estava decidido a ir para São Paulo porque a oferta de córnea lá é maior, quando meu pai viu uma reportagem na TV falando sobre a cirurgia em Salvador. Depois daí fiquei só seis meses na fila e consegui o transplante”, contou o industriário que recebeu o tecido em Salvador, nos Hospital das Clínicas, em maio de 2012.
Ele diz que, embora não conheça a família do doador que permitiu que hoje ele enxergue bem, agradece todos os dias pela ação. “Eu mudei completamente meu pensamento sobre doação de órgãos. A gente só passa a ser doador, a pensar nestas coisas, quando passa por uma situação destas.”, comentou.
Desinformação
Para o coordenador do Sistema Estadual de Transplantes, o grande problema na doação de órgãos gira em torno da desinformação. “A pergunta que devemos fazer é: Se você necessitasse receber um órgão para sobreviver, aceitaria a ajuda de um estranho? Se a resposta for sim, porque não permitir a liberação dos órgãos de familiares para a salvação de muitas vidas?”, questiona o coordenador do sistema. Ele explica que muitas vezes os familiares não sabem se o parente falecido queria ou não ter seus órgãos doados e que por isso o assunto gera dúvidas.
Segundo ele, a incerteza diária enfrentada por pessoas que aguardam as longas filas é angustiante. “Elas vivem sem saber se vão ver o dia novamente, porque são casos graves, que não podem esperar por muito tempo. As pessoas que podem ajudar precisam refletir mais sobre isso”, continuou.
E foi pensando apenas no bem estar de quem continua lutando pela vida que o aposentado Edinho Costa Almeida, 58 anos, permitiu que os órgãos do seu filho Fabrício Soares de Almeida, que teve o diagnóstico de morte encefálica em maio do ano passado. “Se a gente não consegue manter a pessoa aqui, do nosso lado, por que não ajudar alguém que está passando por dificuldade, lutando pela vida?” questionou o aposentado, que com a permissão conseguiu ajudar quatro pessoas, através da doação do coração, fígado, rins e córneas de Fabrício.
Terceiro maior banco de medula óssea.
Mais rápido e fácil de fazer a doação, a retirada de parte da medula óssea, realizada apenas em pessoas vivas, também pode ajudar a salvar vidas. O transplante pode ajudar na reconstituição de outros órgãos deficientes e no tratamento de leucemia, linfomas, mielomas, entre outros problemas no sangue. Para este tipo de procedimento também é necessária a compatibilidade genética entre doador e receptor e por isso os bancos de coleta realizam inicialmente o recolhimento de 5 a 10 ml de sangue do doador para a análise de suas características genéticas. Essas informações ficam armazenadas em um banco de dados, aguardando o surgimento de demanda, e caso haja paciente compatível a espera de transplante, o doador é chamado para realizar a coleta definitiva.
De acordo com Eraldo, o Brasil tem o terceiro maior banco de medula óssea do mundo, perdendo apenas para os EUA e a Alemanha. “Existe um intercâmbio de medula muito forte entre os países, os bancos trocam informações e material, conforme a demanda e a compatibilidade que surgem”, afirmou.
Outra novidade na área de doação deste órgão é a disposição do cordão umbilical por partes das mulheres no pós parto, já que esta parte do corpo humano contém células da medula óssea. “O Hospital das Clínicas está construindo um Banco de Cordão Umbilical para que este tipo de material fique a disposição de quem precisa”, anunciou.
Embora algumas mães estejam optando por congelar o cordão umbilical para recorrer a ele, futuramente, caso a criança apresente algum problema de saúde e precise de tratamento com células da medula óssea, Moura diz que a doação deste material para pacientes que realmente estejam necessitando é a melhor opção. “A probabilidade de uma pessoa desenvolver um problema que dependa destas células e quase nula”, garantiu.
COMENTÁRIOS SOB A TEMÁTICA:
O estigma de uma fila de 45.000 pessoas à espera de órgãos, de acordo com dados mais recentes do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que só vão até junho de 2013.; a subnotificação no registro de captação de órgãos e tecidos; e a disparidade de cobertura regional são considerados os principais obstáculos para que o sistema funcione de forma eficiente.
"A média de espera, de acordo com o órgão a ser doado, varia de 5, 5 a onze anos. Muitos pacientes morrem antes disso", constata o economista Alexandre Marinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e responsável por estudos desenvolvidos sobre a eficiência do SNT, subordinado ao Ministério da Saúde (MS)."
Custo-benefício: Na análise do economista Marinho, do Ipea, o elevado número de transplantes realizados no Brasil e de pacientes na lista de espera também reflete outro questionamento. "É um sinal de que as atividades de prevenção e promoção da saúde, que poderiam diminuir a necessidade de transplantes, precisam ser incrementadas", avalia. Segundo Marinho, a grande prevalência na população de doenças crônicas não transmissíveis que levam aos transplantes, como diabetes, hipertensão, hepatite e alcoolismo, deveriam estar sendo evitadas ou controladas no SUS de modo mais efetivo. "As ações deveriam ser realizadas preferencialmente na Atenção Básica (Unidades Básicas de Saúde e no Programa de Saúde da Família). Não será possível aprimorar o sistema sem melhorar o SUS, inclusive com a melhoria das emergências e das UTIs", diz o pesquisador da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
"Para o presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), e diretor do Unifesp, o médico José Osmar Medina Pestana, é preciso ainda analisar que o paciente transplantado terá condições de retornar ao mercado de trabalho e melhorar sua qualidade de vida."Diante das estatísticas que mostram o baixo nível de oferta, não há como negar que a subnotificação é grave", afirma José Osmar Medina Pestana, presidente da Sociedade Latino-Americana de Transplantes e diretor do Programa de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ao mencionar a subnotificação, Pestana quer dizer que há inúmeros casos de morte encefálica que não são notificados nos hospitais brasileiros, o que inviabiliza a doação. "Estatisticamente, nos hospitais com potencial de atendimento de urgência e emergência, de cada oito mortes encefálicas apenas uma é notificada à central de transplantes. Mas, quando a temática da doação é bem abordada com os familiares, 60% deles aceitam realizar o procedimento", diz. De acordo com Pestana, o preparo das equipes das comissões intrahospitalares é hoje o melhor caminho para a solução desse problema."
O SNT (SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES), entretanto, não mantém um controle de registro sistematizado desses óbitos. "Muitas vezes, descobre-se que o paciente faleceu quando ele é chamado para o transplante.O ideal seria haver softwares específicos e analistas que pesquisassem os levantamentos para apontar alternativas viáveis para melhorar a sobrevida dos pacientes", considera" afirma a ex-presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), a nefrologista Maria Cristina Ribeiro de Castro. Os dados, segundo ela, seriam importantes para melhorar os procedimentos adotados para a própria fila. "O ideal seria haver softwares específicos e analistas que pesquisassem os levantamentos para apontar alternativas viáveis para melhorar a sobrevida dos pacientes".
O Instituto Ressoar questionou profissionais da área da saúde e representantes de organizações que apoiam pessoas que precisam ou já receberam um transplante sobre o que é necessário fazer para aumentar as doações de órgãos no país.
Márcia Chaves, presidente da ATX-BA - Associação de Pacientes Transplantados da Bahia:"Para aumentar o número de doações tanto do fígado como demais órgãos e tecidos é preciso:
- criar uma cultura sobre a doação de órgãos, abordando a temática nas escolas de ensino fundamental (como o Projeto Educar para Doar, da ATX-BA), onde o estudante levará o tema para dentro de casa, envolvendo toda a família;
- as comissões intra hospitalares de captação e doação de órgãos (de acordo com a legislação do SNT (Sistema Nacional de Transplantes), todo hospital com 80 leitos deve ter esta comissão atuante) devem abordar a família não só no momento da ME (morte encefálica), e sim, acompanhar aquela pessoa que deu entrada no hospital por causa de um trauma ou outro motivo qualquer durante seu atendimento e possível recuperação, interagindo com o médico e familiares, se interessando pelo paciente e, se for o caso dele entrar em ME, os familiares já teriam sido acompanhados e teriam tempo de entender o processo da doação de órgãos e tecidos;
- os médicos intensivistas devem notificar compulsoriamente a ME (morte encefálica) de acordo com a lei vigente. No entanto, menos de 50% o fazem, devido à falta de informação sobre a doação de órgãos;
- são necessárias campanhas institucionais falando do tema, com frequência semanal ou mensal, seja através da mídia falada ou escrita. Não adianta falar da doação de órgãos só no dia 27 de Setembro, que é o Dia Nacional do Doador de Órgãos. O transplante é uma evolução da medicina que dá vida e qualidade de vida, mas só acontece com a participação de toda sociedade.
- no caso específico da Bahia os pacientes que necessitam de transplantes de rim e fígado devem ser informados do transplante intervivos. Aqui na Bahia só é realizado o transplante intervivos de rim, mesmo assim, com muita restrição por parte das equipes médicas. O transplante de fígado só é realizado com doador falecido, porém, em outros estados, é possível doar uma parte do fígado em vida para um familiar ou não. Temos na associação diversas crianças que já receberam uma parte do fígado das mães ou pais, assim como adultos.
- o número reduzido de equipes médicas também acarreta um pequeno número de transplantes, assim como o déficit de leitos hospitalares".
Dr. Carlos Baia, médico hepatologista e coordenador do transplante de fígado do Hospital de Transplantes Euryclides de Jesus Zerbini. "Ao longo dos últimos anos, várias ações foram tomadas em todo o Brasil para aumentar o número de doadores. Dentre as principais, devem ser citadas a formação/capacitação de equipes que detectam potenciais doadores e conversam com as famílias a respeito da doação. Um doador pode gerar uma nova vida para várias pessoas (dois rins, fígado, pâncreas, pulmões, coração, córneas, pele, ossos, vasos, e intestino). Uma das atitudes mais importantes é a conversa, entre as pessoas das famílias, a respeito da permissão da doação. Atualmente, cartas de motorista ou documentos de identidade com o carimbo "doador de órgãos" não tem valor legal. Pessoas que tenham sofrido acidentes com traumas graves na cabeça, ou outras situações nas quais a circulação de sangue para o cérebro foi comprometida, como derrames cerebrais extensos, podem se tornar doadores de órgãos, desde que seus familiares concordem com a doação. É uma decisão difícil, mas pode ser menos dolorosa se o assunto tiver sido conversado num outro momento".
Andrea Soares, gerente administrativa da APAT - Associação para Pesquisa e Assistência em Transplante e presidente da Transpática - Associação Brasileira de Transplantados de Fígado e Portadores de Doenças Hepáticas. "Pela realização de campanhas permanentes e não somente pontuais, como as realizadas durante a semana da doação de órgãos. Educar e informar a população de como se dá o processo da doação de órgãos. Muitas pessoas não consentem na doação por não saberem como funciona este processo. A maioria das pessoas não sabe a diferença entre o coma (que pode ser reversível) e a morte encefálica (que é irreversível). A maioria associa a morte à parada cardíaca e acreditam que enquanto o coração estiver batendo a pessoa ainda está viva. Desconhecem que uma pessoa em morte encefálica pode ser mantida "viva, com o coração batendo", durante algum tempo com o auxílio de máquinas e drogas.
Lúcia Elbern, presidente e fundadora da ViaVida. "O cerne do problema continua nos Hospitais e nas Comissões Intra-hospitalares para Captação, onde causas variadas impedem que aconteça a elevação no número de notificações e de efetivação de doador, além da falta de neurologista ou de equipamento para o diagnóstico complementar, a manutenção inadequada do doador, entrevistas inadequadas com a família e a falta de equipes para remoção.
O transplante é um ato médico social que depende de toda sociedade. Seja um doador de órgãos e tecidos. Informe à sua família.
VISTA ESTA CAMISA.
ATX-BA