Faltam ações para controlar a epidemia de hepatites virais
Quando o mundo comemorou, em maio, o Dia Mundial da Hepatite, realizando uma aliança entre associações de pacientes, sociedades médicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os principais governos do mundo, o Ministério da Saúde do Brasil não apoiou nem participou da campanha internacional de conscientização para as hepatites B e C. Um triste descaso e falta de interesse do governo brasileiro. Sabe-se que se nada for feito de imediato, mais de 1 milhão de pessoas no País poderão desenvolver cirrose ou câncer de fígado nos próximos 15 anos em decorrência dessas doenças. O custo social, com perda da capacidade de trabalho, aposentadorias precoces, tratamento da cirrose e prováveis transplantes de fígado, será com certeza infinitamente superior ao que seria investido com detecção e tratamento dos infectados. Os vírus das hepatites B e C já contaminaram 500 milhões de pessoas no mundo. A estimativa é da OMS e mostra a dimensão da epidemia global das hepatites B e C, um problema dez vezes maior do que a da AIDS. A tradução disso: 1 em cada 12 pessoas está infectada por hepatite B ou C. A maioria dos infectados desconhece que tem a doença, pois ambas agem silenciosamente. Tanto a hepatite B quanto a C não apresentam sintomas aparentes até uma evolução importante do caso. No Brasil, de acordo com estimativa do Ministério da Saúde, são 2 milhões de pessoas com hepatite B e entre 3 e 4 milhões infectados com hepatite C. Desses, mais de 95% ainda não foram diagnosticados, devido à falta de sintomas aparentes. E quando os sintomas surgem, eles não são específicos, o que dificulta bastante o diagnóstico pelos profissionais de saúde. Descobrir essas doenças tardiamente agrava substancialmente a condição de saúde e as possibilidades de sucesso com o tratamento. Muitas vezes, não resulta alternativa ao paciente senão o aguardo na longa fila “da morte” para realização de um transplante de fígado. Em pleno século XXI, as vítimas brasileiras das hepatites B e C estão sendo discriminadas pelo poder público, em todos os níveis do Sistema Único de Saúde (SUS). Um espanto quando se sabe que o Brasil é considerado referência internacional no combate à epidemia do vírus HIV, descoberto em 1979. Enquanto o poder público vem atuando em todos os níveis de prevenção e tratamento da AIDS, houve atraso no combate às hepatites B e C. Muito embora o vírus da hepatite B tenha sido descoberto em 1965 e o da hepatite C em 1989, somente em 2002 o governo federal brasileiro implementou o chamado Programa Nacional das Hepatites Virais (PNHV). Porém, além de tardio, o PNHV é insuficiente, pois não contempla uma ampla campanha publicitária de alerta e conscientização da população sobre a transmissão dos vírus B e C da hepatite, os riscos dessas doenças e a importância do diagnóstico precoce, a exemplo do que acontece com a AIDS. Estudos comprovam que portadores de hepatite B ou C, se não diagnosticados a tempo, apresentam uma expectativa de vida de somente 56 anos. As hepatites B e C podem ser contraídas pelo simples contato com sangue contaminado, por meio do compartilhamento de instrumentos de manicure, pedicure, lâminas de barbear, aparelhos de piercing e tatuagem e agulhas usadas para uso de drogas injetáveis. A hepatite B ainda é transmitida por via sexual, sendo a principal doença sexualmente transmissível (DST) – o que não é devidamente informado à população –, e de mãe para filho durante o parto. Ainda pior é a falta de divulgação da existência de vacina para a hepatite B, disponível gratuitamente nos postos de saúde aos jovens de até 19 anos e a todos aqueles expostos a maior risco, como profissionais de saúde que podem sofrer acidentes com material perfuro cortantes. Mas o poder público confere tratamento desigual às vítimas de hepatites B e C em relação aos portadores do vírus HIV, no plano da assistência médica à saúde. O Programa Nacional de DST/AIDS do governo brasileiro garante tratamento medicamentoso a 1 em cada 3 infectados, o que tornou o Brasil um exemplo de País socialmente responsável para com a saúde de seus cidadãos. Em relação aos pacientes portadores de hepatite essa proporção aumenta substancialmente, pois o governo brasileiro oferece tratamento medicamentoso a apenas 1 em cada 350 infectados por hepatite C e a 1 em cada 1.000 infectados pela hepatite B. Mais um ponto a ser ressaltado: o orçamento da saúde para 2008 contempla R$ 3.800 para cada infectado com HIV/AIDS e apenas R$ 57 a cada portador das hepatites B ou C. Um país não pode ser considerado socialmente justo e igualitário quando cidadãos recebem oportunidades diferentes no acesso universal aos cuidados fundamentais para a preservação da vida como é o direito à saúde. Direito este constado que está na Constituição Federal, mas que no caso dos portadores das hepatites não se transforma num direito efetivo. É necessário encontrar o mais rapidamente possível os brasileiros infectados por hepatite B e C. Com os tratamentos disponíveis atualmente, pelo menos 600 mil vidas seriam salvas, o que significa menor número de casos de falência hepática e conseqüentemente morte. Assim como a AIDS, as hepatites B e C são epidemias sérias. O problema é que enquanto a AIDS é conhecida pela população, as hepatites permanecem no anonimato. Não saber é ruim, não querer saber é pior, mas não se preocupar com as conseqüências dessa omissão é imperdoável.
Carlos VaraldoPresidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite / Vice-diretor da World Hepatitis Alliance (WHA)