quinta-feira, 9 de agosto de 2012

ATX-BA - DW - Doação de Órgaõs????

Brasil

Resistência familiar e dimensão do país emperram doação de órgãos no Brasil

Em uma década, o número de transplantes dobrou. A aceitação das famílias deu um salto, mas continua sendo barreira para a doação. Diversidade regional também é desafio para o sistema de transplantes.
De olho nos 37 milhões de brasileiros usuários do Facebook, o Ministério da Saúde lançou, no final de julho, um braço da campanha nacional para doação de órgãos na rede social. O número de transplantes no Brasil mais do que dobrou ao longo da última década, mas o sistema ainda enfrenta obstáculos. Um dos maiores deles, a resistência das famílias, poderá ser influenciado pela iniciativa na internet.
Agora, os brasileiros podem ativar, em sua linha do tempo do Facebook, a opção "Sou doador", para manifestar tanto a disposição em vida quanto a intenção de ser doador após a morte. Após lançar o recurso nos Estados Unidos e no Reino Unido em abril, o Facebook ampliou a iniciativa para outros países. O número de adeptos no Brasil disparou em poucos dias, somando mais de 48 mil fãs na página sobre a campanha.
"Considerando a penetração que têm hoje as redes sociais, isso pode ajudar muito na hora em que a família do usuário eventualmente for abordada para a doação", afirma Heder Murari, coordenador do Sistema Nacional de Transplantes (SNT).
No Brasil, cabe à família autorizar a doação de órgãos após morte cerebral. De acordo com a Lei 10.211, de 2001, perderam a validade as manifestações de vontade à doação de tecidos e órgãos que antes constavam na Carteira de Identidade e na Carteira de Habilitação. Hoje, quem quer ser doador pode apenas informar à família sobre o desejo.

Ferramenta 'Sou doador' no Facebook pode diminuir resistência da população
Há uma década, menos de 15% das famílias brasileiras eram favoráveis à doação, afirma Murari. Mas a aceitação evoluiu desde então, e a taxa de aprovação registrada no primeiro semestre de 2012 foi de 57%, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Segundo o coordenador do SNT, falta de conhecimento e motivos religiosos são fatores de resistência.
Além disso, há a possibilidade da doação em vida – de um órgão duplo como o rim ou de um tecido como córnea ou medula óssea. Para isso, é necessária a compatibilidade sanguínea, e se o doador não for parente de até quarto grau ou casado com o receptor, a doação depende de autorização judicial.
Falta de informação e confiança
O tema resistência familiar foi escolhido pelo enfermeiro Elton Carlos de Almeida para o mestrado defendido este ano na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP. Um dos maiores entraves identificados na pesquisa Doação de órgãos e visão da família sobre atuação dos profissionais neste processo é a ausência de informação.
Falta esclarecimento com relação à morte encefálica, tema pouco conhecido do público leigo, segundo Almeida. Há também falhas na explicação dada pelos profissionais da saúde sobre a burocracia envolvendo a doação – desde a passagem por uma das 35 Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos até a liberação do corpo.
A pesquisa aponta também a falta de acolhimento dos profissionais da saúde no momento de questionar os familiares sobre a doação e desconfiança das famílias diante do diagnóstico de morte cerebral.
"Existem familiares que imaginam, por exemplo, que os profissionais têm interesse na venda dos órgãos e que o parente não está totalmente incapaz. Vale ressaltar, porém, que nenhum caso de venda foi comprovado", afirma o pesquisador da USP.
Dimensão e diversidade
Apesar de reconhecer a barreira cultural das famílias e a necessidade de capacitação dos profissionais, Murari aponta a dimensão do país como o maior obstáculo para a doação e transplante de órgãos. Além das distâncias, que dificultam o transporte dos órgãos, os profissionais qualificados não estão distribuídos igualmente entre todas as regiões.

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DW-Grafik: Per Sander
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Maior número de transplantes ocorre no Sudeste e Sul do país
Nos últimos dez anos, o Nordeste dobrou, para 16%, a sua participação no total de transplantes realizados no país. Entretanto, as cirurgias continuam concentradas na região Sudeste e Sul, com 54% e 19,7% do total, respectivamente.
“Não se pode imaginar que haja as mesmas condições dos grandes hospitais de São Paulo no interior da Amazônia. Vencer essa diversidade geográfica e tecnológica na área de transplantes, altamente complexa, é um desafio”, diz o coordenador.
O Ministério da Saúde pretende implementar nos próximos meses centros tutores em transplantes, afirma Murari. A ideia é que instituições com mais experiência capacitem as equipes das mais novas, diminuindo as disparidades regionais.
Segundo levantamento da ABTO, Santa Catarina é o estado com maior número de doadores efetivos por milhão de habitantes – 26,6, no primeiro semestre de 2012, mais que o dobro da taxa nacional, de 12,8. O último da lista é Alagoas, com 0,6 doadores por milhão.
Avanços no sistema
Em julho, o Ministério da Saúde comemorou ter antecipado no primeiro quadrimestre deste ano a meta para 2013: 13,6 doadores para cada um milhão de habitantes. A taxa leva em conta o número de doadores efetivos em caso de morte cerebral.
“Atingimos um patamar importante. E hoje, 95% das cirurgias são realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma totalmente gratuita à população”, destacou ministro da Saúde, Alexandre Padilha, por ocasião da divulgação dos dados.
Murari explica que, mesmo quando a morte cerebral ocorre em um hospital privado, o SUS paga pelo transplante. “Uma ínfima minoria de brasileiros tem os custos cobertos por planos de saúde. O SUS banca desde a notificação do potencial doador até os medicamentos imunodepressores, fornecidos pelo resto da vida do receptor.”
Cenário internacional

Brasil quer chegar a 15 doadores por milhão de habitantes até 2015
Apesar dos avanços e da aproximação da meta de 15 doadores por milhão estipulada pelo governo para 2015, O Brasil ainda está bem abaixo da líder mundial Espanha, com 32 doadores por milhão, segundo dados reunidos pelo Conselho da Europa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o chamado “modelo espanhol”, um conjunto de medidas que inclui formação continuada dos médicos e a nomeação de um coordenador hospitalar, dedicado somente à doação e transplantes.
Diferente do Brasil, segundo a legislação espanhola, quem decide sobre a doação não é a família, mas a própria pessoa, que manifesta sua vontade em vida. Na Alemanha, com 15,8 doadores por milhão, as pessoas também têm direito de optar pela doação em vida.
Para Murari, faz mais sentido, porém, situar o Brasil na América Latina. Em 2010, a Argentina e Uruguai lideravam o ranking da região, com 14,3 e 14,4 doadores por milhão, respectivamente. O Brasil, que naquele ano registrou taxa de 9,9, hoje se aproxima da liderança. Já na terra natal do Facebook, país de dimensões semelhantes às do Brasil, a taxa é de 25 doadores por milhão de norte-americanos.
Autor: Luisa Frey
Revisão: Francis França
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