Desorganização na distribuição de remédios pela Sesab coloca pacientes em risco
Por Luiz Fernando Lima, Chayenne Guerreiro e Brenda Ferreira
A desorganização na compra e distribuição de medicamentos de responsabilidade da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), mais precisamente da Superintendência de Assistência Farmacêutica, Ciência e Tecnologia (Saftec), tem colocado em risco a saúde das pessoas que dependem do tratamento das mais diversas naturezas na Bahia.
É o caso de Shirley Cavalcante que há 17 anos passou por um procedimento cirúrgico e recebeu da filha caçula um rim. O transplante foi bem-sucedido, mas Shirley precisa tomar diariamente duas doses de 75 mg de um medicamento chamado Ciclosporina para minimizar, mesmo após tanto tempo, os riscos de rejeição.
De acordo com o marido de Shirley, Manoel Batista, a quem cabe um verdadeiro périplo mensal, o fornecimento é descontinuado e todos os meses existe a apreensão para saber se haverá ou não o remédio nos postos de distribuição.
“Já tem um tempo que passamos por esse problema, um mês tem o medicamento, outro mês não tem. Eles tentam adequar a dosagem que ela precisa, adicionando mais comprimidos. Minha esposa toma 15 deles por dia, imagine ter que aumentar mais dois sem necessidade. É uma falta de consciência do comprador desses medicamentos, por que o mesmo dinheiro que ele compra dois de 25 mg, ele compraria, gastando menos, um de 50 mg e não judiaria tanto do paciente, como vem acontecendo. Para ter uma ideia do descaso, eu liguei na sexta-feira (29 de abril) e me informaram que tinha, quando eu cheguei lá na segunda, oito da manhã, já não tinha mais. É um absurdo“.
Questionada sobre o estoque da Ciclosporina, a superintendência responsável informou, através da assessoria de comunicação, que o medicamento ciclosporina para microemulsão de 75 mg cápsula não é adquirido, pois não consta nas apresentações definidas na portaria 1554/2013 do Ministério da Saúde. “Ressaltamos que estão disponíveis as apresentações de 25 mg, 50 mg e 100 mg. A ciclosporina para microemulsão de 10 mg cápsula está em processo licitatório para regularização do estoque”.
O problema é que o volume de medicamento disponível não é suficiente para atender toda a demanda e, portanto, os números apresentados à reportagem do Bocão News nesta segunda-feira (23) podem ser alterados na manhã de quarta-feira (24). É esta falta de continuidade que a presidente da Associação de Pacientes Transplantados da Bahia (ATX-BA), Márcia Chaves questiona e critica.
“Na associação o principal objetivo é a defesa dos pacientes transplantados, são cerca de sete mil. A maior dificuldade é a interrupção da medicação que evita a rejeição do órgão. Temos todos os tipos de transplantes: pulmão, rins, córnea, medula óssea, pâncreas, entre outros. Tem faltado (medicamento) durante vários anos e de maneira continua, se agravando no ano passado. Dois medicamentos básicos que são de responsabilidade do Estado: a Ciclosporina, nas suas diversas dosagens, e o Imuran faltam constantemente. O Imuran pode ser comprado em farmácia comum, custa caro, cerca de R$ 400, mas a Ciclosporina nenhuma farmácia fornece, a não ser os hospitais e unidades de transplantes, através da Secretária de Saúde do Estado”.
De acordo com a representante da ATX-BA, a falta da dosagem correta do medicamento é o que traz prejuízos para o paciente transplantados.
“A prescrição médica é algo muito importante. Se o paciente tem que receber 75 mg de determinado medicamento, ele tem que receber um comprimido de 50 mg e outro de 25 mg, duas vezes ao dia, isso mantem o nível sanguíneo do paciente. Se não tem a de 25 mg, eles dão a de 50 mg e a de 100 mg, totalmente diferente da indicação médica e o nível sanguíneo do paciente não vai ser mantido, o que prejudica a imunossupressão que evita a rejeição do órgão. No caso de um transplante de rim, ele tem a opção de voltar para a hemodiálise, o que já é um enorme trauma. Imagine você, depois de passar 15 anos fazendo esse tratamento, ganhar um órgão e perder por falta de medicação? Os outros pacientes que são de outros transplantes, como de coração, pulmão e etc, que não tem hemodiálise, se faltar remédio ele vai, a depender do estado do transplante, falecer. Muitas vezes o paciente viaja quilômetros e chega aqui e não tem. É uma falta de respeito com o transplantado e com o doador, seja falecido ou vivo. Transplante de órgão é um tratamento que não pode ser interrompido”, explica Márcia.
Voltando ao caso de Shirley, Manoel revela que “em março, a farmácia me deu 90 comprimidos de 25 mg e faltou o Liptol, outra medicação que ela precisa. Eu teria que pegar cinco medicamentos para ela e normalmente volto para casa com três, que são os principais, e tem horas que os principais ficam para trás. Preciso sair correndo atrás do remédio, vou na associação ver se sobrou de algum outro paciente. A minha esposa não ficou sem tomar o Ciclosporina até hoje por que eu corro atrás, eu sei o estrago que faz para um paciente ficar sem tomar uma dose. Eu ligo para outros transplantados, pergunto se eles têm, se podemos trocar, emprestar. Se dependesse do Estado eu já tinha enterrado a minha esposa”.
Doenças Falciformes
A situação dos transplantados é semelhante à de pacientes portadores de doenças falciformes. De acordo com o presidente da Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes, Altair Lira, o remédio que mais falta e com fornecimento irregular desde o ano de 2014 é o Hidroxiureia, de uso contínuo para quem faz parte deste grupo.
"O remédio é essencial, pois aumenta a hemoglobina, melhora a circulação e até a respiração. A associação apela para a distribuição correta destes medicamentos, já que a falta deles provoca problemas como infecções e crises de dor".
Em nota oficial, a superintendência argumenta que o medicamento Hidroxiuréia é produzido nacionalmente pelo laboratório Bristol-Myers Squibb e que este indica dificuldade no abastecimento no país. Nesse sentido, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) fica impossibilitada de manter a regularidade no abastecimento.
Para os cidadãos que dependem do remédio é torcer para não ter interrompido o fornecimento, até porque, os acordos firmados com a Justiça não foram cumpridos. Ainda segundo o presidente da associação, outras duas medicações estão em falta, há cerca de sete meses, nos hospitais para portadores de doenças falciformes. “O Ácido Fólico que é efetivo no tratamento das anemias e uma vitamina necessária para a formação de proteínas na hemoglobina, além da Penicilina Oral, que tem o mesmo princípio ativo do antibiótico injetável, vendido comercialmente como Benzetacil”.
Caso grave
A reportagem do Bocão News teve acesso a duas listas com medicamentos que deveriam ser fornecidos pela Sesab a pacientes. Trata-se do catalogo da própria secretária com o controle de estoque, preço, previsão de chegada e licitações pendentes. A tabulação aponta para um quadro grave.
Para se ter uma ideia, na planilha de medicamentos específicos para tratamento de doenças graves associadas a tecidos transplantados, cirrose, epilepsia, Alzheimer, hepatites, diabetes, esquizofrenia, osteoporose, degeneração macular e infarto agudo do miocárdio, entre inúmeras outras, constam 204 itens, destes 93 estavam zerados em 19 de maio, data do recebimento da denúncia por este site. Em outra lista, de medicamentos básicos como amoxicilina e insulina, são 159 medicamentos catalogados, destes 98 não tinham na mesma data.
Destaca-se que no que se refere ao preço de medicamentos específicos alguns chegam a custar R$ 3.794,7 como o Tenecteplase para infarto agudo do miocárdio. Para degeneração macular (doença no olho que leva à perda da visão) falta o Ranibizumabe. O custo dele chega, na planilha da própria Sesab, a R$ 2.671,76.
Você repórter:
Os pacientes em tratamento podem denunciar ao Bocão News caso enfrentem dificuldades para receber os medicamentos prescritos e que devem ser distribuídos gratuitamente pelo Estado através do email recadao@bocaonews.com.br
Colaborou: Eliezer Santos
Publicada originalmente dia 24/05/2016 às 15h
FONTE: http://www.bocaonews.com.br/noticias/politica/saude/145056,desorganizacao-na-distribuicao-de-remedios-pela-sesab-coloca-pacientes-em-risco.html
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