17 DE OUTUBRO DE 2014
Mesmo protegida pela lei, doação de órgãos ainda é tabu
17 de outubro, dia mundial da doação de orgãos
diariodaregiao
A doação de órgãos ainda é um assunto tabu para a sociedade. Mesmo se em alguns países todo cidadão é um doador potencial, os médicos ainda enfrentam a resistência das famílias, a falta de estrutura para a realização dos transplantes e o baixo nível de formação específica sobre o assunto nas faculdades de medicina. Para marcar esse Dia Mundial de Doação de Órgãos (17 de outubro), a RFI ouviu especialistas na França e no Brasil, que comentam os dois sistemas.
Do ponto de vista jurídico, alguns países adotaram o chamado “consentimento explícito”, que autoriza a retirada dos órgãos apenas diante da indicação oficial do doador. Esse princípio é aplicado na Europa em nações como Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Holanda ou Dinamarca.
Já nos demais, o que vale é o “consentimento presumido”, onde todo cidadão é um doador potencial e a retirada dos órgãos só não pode ser feita se o paciente exprimir em vida sua oposição ao procedimento. É nesses casos que, geralmente, algumas famílias tentam impedir o transplante.
O sistema francês está entre os mais eficientes da Europa, já que todos os hospitais do país estão conectados entre si para que os órgãos, uma vez considerados aptos após a constatação de morte encefálica, sejam imediatamente encaminhados para transplante.
Mesmo assim, a lista de espera é grande. “Em janeiro deste ano; 11.600 pessoas esperavam por um órgão na França. Segundo nossas estatísticas, pelo menos 500 pessoas morrem anualmente enquanto aguardam um doador”, relata Pierre Noir, vice-presidente da Federação francesa das associações para a doação de órgãos e tecidos humanos (Adot).
A França segue uma tendência mundial, onde os transplantes de rins são os mais frequentes. Das mais de 5 mil cirurgias feitas nos hospitais franceses este ano, cerca de 3 mil são renais, seguidas de 1,5 mil do fígado, 400 de coração e 300 de pulmão.
A outra referência na Europa é a Espanha, principalmente pelo número de doações efetivas, que chega a 40 para cada milhão de habitantes, um dos maiores índices do mundo.
Situação brasileira
O Brasil, que também adotou, como a França e a Espanha, o sistema de consentimento presumido, ainda está longe dos números europeus. Atualmente, os hospitais brasileiros dispõem de apenas 13 doadores para cada milhão de habitantes, ou seja, proporcionalmente, cerca de metade do índice francês e quase um quarto do espanhol.
Para Francisco Neto de Assis, presidente da Aliança Brasileira pela doação de órgãos e tecidos (ADOTE), a situação brasileira é resultado de uma série de fatores. “Em 1998, adotamos o princípio da doação presumida, mas essa lei não pegou no Brasil. Houve muita resistência, principalmente da classe médica, que não se sentia confortável em tomar a decisão da retirada dos órgãos sem consultar a família. Mesmo que eu me manifeste, em vida, favorável à doação, a família pode negar”, explica. Uma das reivindicações da ADOTE para evitar esse tipo de impasse é a criação de um registro nacional de doadores (dispositivo que já existe no caso de medula óssea), o que impediria a oposição dos familiares.
Outro fator que dificulta a doação de órgãos no Brasil é a distribuição desequilibrada da rede de saúde no país. “A chance de alguém que mora na região Norte ou Nordeste fazer um transplante é muito menor que alguém que mora no Sul ou Sudeste, onde estão concentrados os centros de transplantes”, analisa Neto de Assis. Além disso, o presidente da ADOTE lembra que, mesmo se o Brasil conta com mais de 200 escolas de medicina, apenas quatro oferecem disciplinas sobre doação de órgão.
Atualmente, no Brasil, um paciente pode ficar até três anos na fila de espera por um rim. Já no caso do coração e do fígado, em razão da curta expectativa de vida dos doentes, inferior a um ano, a maioria dos pacientes morre antes de conseguir um doador.
FONTE:http://www.portugues.rfi.fr/geral/20141017-dia-mundial-de-doacao-de-orgaos