Em uma década, o número de transplantes dobrou. A aceitação das
famílias deu um salto, mas continua sendo barreira para a doação.
Diversidade regional também é desafio para o sistema de transplantes.
De olho nos 37 milhões de brasileiros usuários do Facebook, o
Ministério da Saúde lançou, no final de julho, um braço da campanha
nacional para doação de órgãos na rede social. O número de transplantes
no Brasil mais do que dobrou ao longo da última década, mas o sistema
ainda enfrenta obstáculos. Um dos maiores deles, a resistência das
famílias, poderá ser influenciado pela iniciativa na internet.
Agora, os brasileiros podem ativar, em sua linha do tempo do Facebook, a
opção "Sou doador", para manifestar tanto a disposição em vida quanto a
intenção de ser doador após a morte. Após lançar o recurso nos Estados
Unidos e no Reino Unido em abril, o Facebook ampliou a iniciativa para
outros países. O número de adeptos no Brasil disparou em poucos dias,
somando mais de 48 mil fãs na página sobre a campanha.
"Considerando a penetração que têm hoje as redes sociais, isso pode
ajudar muito na hora em que a família do usuário eventualmente for
abordada para a doação", afirma Heder Murari, coordenador do Sistema
Nacional de Transplantes (SNT).
No Brasil, cabe à família autorizar a doação de órgãos após morte
cerebral. De acordo com a Lei 10.211, de 2001, perderam a validade as
manifestações de vontade à doação de tecidos e órgãos que antes
constavam na Carteira de Identidade e na Carteira de Habilitação. Hoje,
quem quer ser doador pode apenas informar à família sobre o desejo.
Ferramenta 'Sou doador' no Facebook pode diminuir resistência da população
Há uma década, menos de 15% das famílias brasileiras eram favoráveis à
doação, afirma Murari. Mas a aceitação evoluiu desde então, e a taxa de
aprovação registrada no primeiro semestre de 2012 foi de 57%, de acordo
com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Segundo o
coordenador do SNT, falta de conhecimento e motivos religiosos são
fatores de resistência.
Além disso, há a possibilidade da doação em vida – de um órgão duplo
como o rim ou de um tecido como córnea ou medula óssea. Para isso, é
necessária a compatibilidade sanguínea, e se o doador não for parente de
até quarto grau ou casado com o receptor, a doação depende de
autorização judicial.
Falta de informação e confiança
O tema resistência familiar foi escolhido pelo enfermeiro Elton Carlos
de Almeida para o mestrado defendido este ano na Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da USP. Um dos maiores entraves identificados na
pesquisa Doação de órgãos e visão da família sobre atuação dos profissionais neste processo é a ausência de informação.
Falta esclarecimento com relação à morte encefálica, tema pouco
conhecido do público leigo, segundo Almeida. Há também falhas na
explicação dada pelos profissionais da saúde sobre a burocracia
envolvendo a doação – desde a passagem por uma das 35 Centrais de
Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos até a liberação do corpo.
A pesquisa aponta também a falta de acolhimento dos profissionais da
saúde no momento de questionar os familiares sobre a doação e
desconfiança das famílias diante do diagnóstico de morte cerebral.
"Existem familiares que imaginam, por exemplo, que os profissionais têm
interesse na venda dos órgãos e que o parente não está totalmente
incapaz. Vale ressaltar, porém, que nenhum caso de venda foi
comprovado", afirma o pesquisador da USP.
Dimensão e diversidade
Apesar de reconhecer a barreira cultural das famílias e a necessidade
de capacitação dos profissionais, Murari aponta a dimensão do país como o
maior obstáculo para a doação e transplante de órgãos. Além das
distâncias, que dificultam o transporte dos órgãos, os profissionais
qualificados não estão distribuídos igualmente entre todas as regiões.
Maior número de transplantes ocorre no Sudeste e Sul do país
Nos últimos dez anos, o Nordeste dobrou, para 16%, a sua participação
no total de transplantes realizados no país. Entretanto, as cirurgias
continuam concentradas na região Sudeste e Sul, com 54% e 19,7% do
total, respectivamente.
“Não se pode imaginar que haja as mesmas condições dos grandes
hospitais de São Paulo no interior da Amazônia. Vencer essa diversidade
geográfica e tecnológica na área de transplantes, altamente complexa, é
um desafio”, diz o coordenador.
O Ministério da Saúde pretende implementar nos próximos meses centros
tutores em transplantes, afirma Murari. A ideia é que instituições com
mais experiência capacitem as equipes das mais novas, diminuindo as
disparidades regionais.
Segundo levantamento da ABTO, Santa Catarina é o estado com maior
número de doadores efetivos por milhão de habitantes – 26,6, no primeiro
semestre de 2012, mais que o dobro da taxa nacional, de 12,8. O último
da lista é Alagoas, com 0,6 doadores por milhão.
Avanços no sistema
Em julho, o Ministério da Saúde comemorou ter antecipado no primeiro
quadrimestre deste ano a meta para 2013: 13,6 doadores para cada um
milhão de habitantes. A taxa leva em conta o número de doadores efetivos
em caso de morte cerebral.
“Atingimos um patamar importante. E hoje, 95% das cirurgias são
realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma totalmente
gratuita à população”, destacou ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
por ocasião da divulgação dos dados.
Murari explica que, mesmo quando a morte cerebral ocorre em um hospital
privado, o SUS paga pelo transplante. “Uma ínfima minoria de
brasileiros tem os custos cobertos por planos de saúde. O SUS banca
desde a notificação do potencial doador até os medicamentos
imunodepressores, fornecidos pelo resto da vida do receptor.”
Cenário internacional
Brasil quer chegar a 15 doadores por milhão de habitantes até 2015
Apesar dos avanços e da aproximação da meta de 15 doadores por milhão
estipulada pelo governo para 2015, O Brasil ainda está bem abaixo da
líder mundial Espanha, com 32 doadores por milhão, segundo dados
reunidos pelo Conselho da Europa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o chamado “modelo
espanhol”, um conjunto de medidas que inclui formação continuada dos
médicos e a nomeação de um coordenador hospitalar, dedicado somente à
doação e transplantes.
Diferente do Brasil, segundo a legislação espanhola, quem decide sobre a
doação não é a família, mas a própria pessoa, que manifesta sua vontade
em vida. Na Alemanha, com 15,8 doadores por milhão, as pessoas também
têm direito de optar pela doação em vida.
Para Murari, faz mais sentido, porém, situar o Brasil na América
Latina. Em 2010, a Argentina e Uruguai lideravam o ranking da região,
com 14,3 e 14,4 doadores por milhão, respectivamente. O Brasil, que
naquele ano registrou taxa de 9,9, hoje se aproxima da liderança. Já na
terra natal do Facebook, país de dimensões semelhantes às do Brasil, a
taxa é de 25 doadores por milhão de norte-americanos.
Autor: Luisa Frey
Revisão: Francis França
Revisão: Francis França
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