terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Último Segundo

Muda o perfil do doador de órgãos do País
23/02 - 15:48 Fernanda Aranda, iG São Paulo

O País registrou recorde de doações de órgãos no ano passado e junto com os números nasceu um novo perfil de doador. Antes, o ponto de partida para salvar a vida de quem precisava de um novo coração, rim, pulmão ou fígado era mais bem mais trágico do que o atual.

As vidas salvas por um transplante iniciavam, em maioria, com um acidente de carro, um tiro, a queda de motocicleta ou outra morte violenta que transformava jovens com menos de 30 anos em doadores de órgãos. Agora, segundo dados divulgados hoje pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o quadro prevalente é outro.


Pela primeira vez, a faixa etária majoritária dos doadores do país ficou entre 41 e 60 anos (grupo que somou 41% nos dados), um pouco à frente da parcela entre 18 e 41 anos (40%). Também está diferente o motivo que prevaleceu nas causas de morte encefálica – as doações só podem ser feitas nestes casos, quando o cérebro para de funcionar, mas outros órgãos não. Os traumatismos, que já foram maioria, deram lugar para os acidentes vasculares cerebrais (AVC) – 48% contra 41%.

A identificação de que os doadores estão mais velhos e são, na maioria, vítimas de doenças crônicas abre espaço para que as mulheres ocupem mais espaço nos estatísticas de doadores. Hoje, o sexo masculino responde por 59% e o feminino por 41%. A diferença é explicada porque, com a violência predominante entre os motivos de doação, elas ficam atrás nos números, já que eles – afirma o Ministério da Saúde – são mais suscetíveis aos assaltos, acidentes de trânsito e brigas. Com o aumento do AVC nos casos, a tendência é de equilíbrio de gêneros. E este novo perfil é comemorado pelos grupos de transplante, que só conseguem alterar o destino de seus pacientes quando um órgão compatível aparece.

Na avaliação de Ben-Hur Ferraz Neto, novo presidente da ABTO e médico da área no Hospital Albert Einstein, o novo cenário faz com que as doações de órgãos não precisem ser fundamentadas apenas nas sequelas da violência urbana, as grandes fábricas de traumas. “É uma boa notícia para toda sociedade. No mundo ideal, não teríamos uma doação originada em um trauma”, afirma.

Novos desafios para novos doadores

Saber da mudança de característica dos 1.658 doadores que no ano passado foram a ponte para a realização de 5.998 transplantes (aumento de 26% em relação a 2008) impõe novos desafios a este tipo de cirurgia. Alfredo Inácio Fiorelli, responsável pelos transplantes do Instituto do Coração (Incor), lembra que quanto mais velho o doador maior é o cuidado necessário para o aproveitamento dos órgãos.

Maria Cristina Ribeiro de Castro, da área de transplantes do Hospital das Clínicas reitera que “é necessário um trabalho mais investigativo por parte da equipe médica para identificar um potencial doador” quando a origem da morte encefálica não é um trauma. “A vítima de violência urbana entra no hospital já com todas as evidências de que poderá doar seus órgãos. Já no caso de um AVC, é preciso um acompanhamento mais próximo”, completou.

Menos recusa familiar

Ainda que o perfil de doadores esteja mudando, “uma tendência já mundial agora acompanhada pelo Brasil” – nas palavras de Rosana Nothen, coordenadora do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde – muitas histórias de transplantados cruzam com a de doadores em momentos de extrema violência. Um dos exemplos foi o da menina Eloá Pimentel, de 15 anos. Em outubro de 2008, ela foi assassinada pelo namorado após ser mantida em cárcere privado por quase três dias dentro de sua casa na grande São Paulo. Todo o sequestro foi acompanhado pela imprensa. Depois, a mídia noticiou que a morte da menina foi o início da “nova vida” de três pessoas que receberam seu coração, pâncreas e rim.

Para os especialistas em transplante, a prevalência de histórias como esta mostram que os médicos e equipes que atuam na captação de órgãos precisam ser treinados e estar preparados para abordar os parentes de potenciais doadores que chegam aos hospitais. É a forma de falar que pode reverter o índice atual de 21% de recusa familiar dentre os casos de insucesso da doação.

“Não importa se a morte encefálica foi motivada por um AVC ou um acidente de carro. É preciso saber acolher a família e capacitar os profissionais dos hospitais, saber dialogar”, afirma Ben-Hur, o presidente da ABTO. “Se a família não confia no sistema de saúde, não vai confiar na doação”, completa Alfredo Fiorelli, da área de transplante do Incor.


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