63% das famílias recusam doar órgãos
Associação de transplantes lança campanha para diminuir as seis recusas diárias de doação registradas no Brasil
Todos os dias, seis famílias dizem “não” para a doação de
órgãos. Os dados são da Associação Nacional de Transplantes (ABTO) que
lança hoje uma campanha para reverter as recusas que somam 63% entre os
potenciais doadores do Brasil.
Saiba mais sobre transplantes
Segundo os dados divulgados, entre janeiro e junho deste
ano, os hospitais de todo País identificaram 4.073 pacientes com
diagnóstico de morte cerebral, que poderiam doar coração
, pulmão
, rim, fígado e pâncreas para salvar a vida das mais de 23.863 pessoas
que estão na fila de espera. Deste total, somente 1.217 se tornaram
doadores efetivos.
Para ser um doador de órgãos hoje, basta manifestar esse
desejo aos familiares, sem a necessidade de um registro formal no RG ou
CNH.
Segundo o mapeamento feito pelo Sistema Nacional de
Transplantes do Ministério da Saúde os principais motivos de morte dos
doadores são as causas externas (acidentes de carro, tiros, quedas) e os
acidentes vasculares cerebrais (AVC)
de pessoas jovens, com menos de 40 anos. Na análise dos especialistas, o
fato de serem mortes inesperadas surpreende a família, pois não há
tempo para refletir sobre o tema e optar pela decisão de doar os órgãos
de um ente querido.
Além disso, o conceito de morte cerebral não é totalmente
compreendido. O coração continua batendo, mas não há chance da pessoa
recuperar as funções cognitivas, a fala, a respiração e a interação com
meio. Em poucas horas, os batimentos cardíacos da vítima param, mas a
espera inviabiliza a retirada do coração ou de qualquer outro órgão para
o transplante em outro paciente.
Foram 1.073 recusas, uma média de seis por dia. Segundo o
presidente da ABTO, José Medina Pestana, a recusa da família ainda é a
principal barreira para a doação: Para combater esse cenário foi lançada
a campanha "Doar não é um tabu. Conte para sua família. Conte com sua
família".
De torneiro mecânico a recordista em transplantes
José Medina passou por três profissões até chegar à medicina e colocou o Brasil entre os campeões mundiais de doação de órgãos
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José Osmar Medina Pestana venceu a infância pobre para deixar suas digitais na história dos
transplantes
brasileiros.
Entre uma ponta e outra desta trajetória, passaram três instrumentos
de trabalho por suas mãos: tijolos, peças industriais e rins.
Isso porque, a transformação do menino Zé Osmar em Doutor Medina foi
formada pelas profissões ajudante de pedreiro, torneiro mecânico e, por
fim, nefrologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Ele acaba de assumir a presidência da Associação Brasileira de
Transplantes de Órgãos (ABTO) e, no primeiro ato como presidente, no
início de fevereiro, divulgou um novo recorde de cirurgias do tipo no cenário nacional.
Mais uma vez, os transplantes renais foram os mais numerosos, a maior
parte deles feita no Hospital do Rim da Unifesp, unidade idealizada e
administrada por Medina. O médico acumula 10 mil pacientes
transplantados, quase a população total de Ipaussu, cidade do interior
paulista onde ele nasceu (são 13 mil habitantes segundo o Censo 2010) e
escolheu que “queria cuidar de gente” quando fosse gente grande.
O sonho da carreira, inclusive, foi construído simultaneamente à
construção (literal) de casas. Ajudar o pai pedreiro foi seu primeiro
ofício, assumido aos 8 anos, para melhorar a renda da família e, de quebra, alimentar a possibilidade de conseguir um diploma na área da saúde.
Metas
“Minha mãe era costureira, meu pai pedreiro e tínhamos uma vida
simples, mas eu não sentia tantas privações. Só não gostava de ter de
abdicar das minhas férias para ajudar papai com o cimento e a
construção. Mas sabia que isso era necessário”, lembra Medina.
Mais velho de cinco irmãos, craque na bola de gude e no futebol
“pé na terra”, ele foi o primeiro a ser incentivado pelos pais a estudar
e fazer um curso
técnico. “Minha mãe, apesar de pouco estudo, era muito sábia. Ela logo
me orientou que esta era a melhor forma de, ao mesmo tempo, ter acesso à
educação e a um trabalho.”
Por isso, aos 15 anos de idade, o pai dos Medina Pestana perdeu seu
melhor ajudante. Com diploma de torneiro mecânico, ele passou a
trabalhar em fábricas, com peças automotivas, e fazer seu pé de meia.
Nesta época, já gostava de passear na Santa Casa de Ipaussu e
observar o seu primeiro herói da infância. “Doutor Rafael tinha um
talento para tratar nosso povo. Não eram só cuidados médicos. Eram
ouvidos atentos para as reclamações de toda sorte, retribuídas com
conselhos para todas as áreas da vida”, lembra.
Aquele médico que circulava por todas as casas, comércios, praças e
bailes da cidade implantou na cabeça de Zé Osmar uma meta audaciosa.
Antes de completar 20 anos, ele deixaria Ipaussu, trabalharia um ano na
capital paulista, juntaria dinheiro. “Precisava fazer um ano de cursinho e então entraria na faculdade de medicina”, finalizava com esta frase os seus pensamentos.
Rotinas
Aos 19 de idade, o jovem fez as malas, deu um beijo na testa da mãe e
mudou para a cidade grande. Trabalhou na Volks (com os seus
conhecimentos de torneiro mecânico) e como auxiliar de escritório. Doze
meses depois, dormindo em um quartinho emprestado na casa do tio no ABC
Paulista, ele fez a matrícula em um curso preparatório para o
vestibular. E se preparou para mais 12 meses de maratona.
A rotina de 12 horas de trabalho foi substituída por 12 horas
de estudo. Em dezembro de 1974 encontrou seu nome entre os aprovados
para ingressar na Escola Paulista de Medicina (Unifesp), instituição
pública, um alívio para o “bolso apertado” do estudante.
“Estava na hora de voltar a trabalhar. Não precisaria pagar os estudos, mas ainda tinha que me sustentar em São Paulo.”
O novo emprego foi no laboratório da própria Unifesp, catalogando os
pacientes que chegavam à emergência. O horário, das 16h às 23h permitia
dedicação aos estudos médicos entre 7h e 15h. E ainda servia de
aperitivo das muitas especialidades médicas que José Osmar Medina
poderia escolher.
Rins
Ele flertou com a ortopedia, mas por sugestão de um professor
escolheu os rins como foco de atuação. Já tinha deixado a casa do tio,
agora morava em uma república com outros seis estudantes. Por influência
dos colegas, adotou definitivamente o nome Medina como sua
identidade. A nefrologia, ele definiu como seu destino.
Zé Osmar ficava para trás, mas o Medina também gostava de metas
audaciosas. Em 1987, já formado, casado (com a primeira namorada de
Iapussu) e decidido, ele foi para o exterior fazer especialização em
transplante. Quando voltou ao Brasil decidiu organizar uma unidade com
fluxo para cirurgia de transplante renal, ainda inexistente em SP.
“Não tínhamos integração, procedimento, profissionais
especializados. Em equipe, fomos formando tudo isso”, lembra. Em menos
de uma década, aquele embrião do Hospital do Rim virou uma potência
mundial. Os 15 transplantes renais anuais viraram 500 cirurgias por ano
em 2004, um recorde no mundo, que rendeu novas chances de vida para
milhares de pacientes e homenagens em vários idiomas ao doutor Medina.
Hoje já são quase 700 transplantes a cada 12 meses só nesta unidade.
Dez mil
O auxiliar de pedreiro, torneiro mecânico e médico que moram em
Medina trabalham em uma espécie de sintonia na hora dos transplantes. É
preciso arquitetar a cirurgia, parte por parte, como a construção de um
um novo organismo; depois encaixar todas as peças precisamente em um
tipo de esquema industrial. Para em sequência, cuidar a vida toda
daquele ser humano que ganhou um novo órgão.
“É a oportunidade que nós médicos temos de unir os dois extremos da
medicina. Desde os cuidados mais simples, como medir a pressão, colocar a
mão no paciente, até a mais alta complexidade cirúrgica”, explica. “É
mágico”, define Medina que, para homenagear o seu herói Daniel, duas
vezes por ano volta a Ipaussu e trabalha por duas semanas, de forma
voluntária, na Santa Casa. Ouvindo queixas de toda sorte e dando
conselhos sobre tudo.
Siga lendo
INFOGRÁFICO: Veja o panorama de transplante no País e quanto tempo é necessário para a retirada dos órgãos serem efetivas
O
envelhecimento da idade do doador é uma mistura de aumento da
expectativa de vida do brasileiro atrelado aos avanços das tecnologias
da medicina, que permitem agora conservar por mais tempo o coração,
fígado, rim, pulmão ou pâncreas de uma pessoa mais velha, além de terem
disponíveis técnicas que diagnosticam com mais eficiência a morte
encefálica (situação exigida para a doação de órgãos).
Além do perfil do doador brasileiro, este infográfico especial do iG ainda mostra a fila de espera para cada órgão, os Estados que mais
realizam as operações e a evolução do número de cirurgias nos últimos
dez anos. Um outro diferencial é que o gráfico mostra em que situações
você pode precisar de um transplante.
http://saude.ig.com.br/minhasaude/2012-09-25/63-das-familias-recusam-doar-orgaos.html
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