Ciência. A substância, descrita na última edição da Nature, impede a replicação do vírus e poderá compor um futuro coquetel contra a doença, que dispõe de terapia ineficiente e com muitos efeitos adversos. No mundo há 200 milhões de pessoas infectadas
22 de abril de 2010 0h 00
Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo
Uma substância descrita na última edição da revista científica Nature apresentou grande eficácia contra o vírus da hepatite C. O composto, batizado de BMS-790052, impede a replicação do microrganismo e poderá ser um dos principais ingredientes de um futuro coquetel contra a doença.
Cerca de 200 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus da hepatite C no mundo. Um porcentual significativo - de 30% a 40% - pode desenvolver doenças hepáticas como cirrose e câncer. Estima-se que 70% dos pacientes na fila de transplante de fígado carreguem o vírus.
O único protocolo terapêutico disponível prevê injeções de interferon alfa e comprimidos de ribavirina. Os remédios não agem diretamente sobre o vírus, mas melhoram a resposta do sistema imunológico. Contudo, têm efeitos adversos sérios, que vão de dor de cabeça e náusea a alterações comportamentais.
Como o calvário dura de 24 a 72 semanas, muita gente desiste no meio do caminho. A eficácia também não é boa. Nas pessoas infectadas com o genótipo 1 do vírus - o mais comum no País -, menos de 50% dos pacientes respondem de forma satisfatória.
No Brasil, os doentes precisam assinar um termo de consentimento informado para ter acesso aos remédios pelo Sistema Único de Saúde (mais informações nesta página). O documento avisa que a medicação é "contraindicada durante a gestação por causar graves defeitos nos bebês". Além disso, o tratamento é caro: só o interferon alfa pode custar R$ 18 mil, sem contar a ribavirina e exames para verificar a resposta à terapia.
Tal cenário criou uma verdadeira corrida das indústrias farmacêuticas para identificar substâncias que poderiam combater diretamente o vírus. Uma revisão de estudos publicada na revista Viruses há três semanas enumera 28 compostos que já estão na mira dos fabricantes.
Estratégia. Como o HIV, o vírus da hepatite C apresenta alta taxa de mutação. Qualquer terapia vai exigir um coquetel de drogas para explorar mais de um ponto fraco do vírus. Assim, uma única mutação não será suficiente para que o microrganismo se torne imune ao tratamento.
Apenas dois candidatos estão na fase 3 de testes em seres humanos (a última etapa antes da aprovação para venda): o telaprevir - da Vertex Pharmaceuticals - e o boceprevir - da MSD. O telaprevir e o boceprevir agem sobre uma proteína que o vírus utiliza para coordenar seu processo de replicação: a NS3.
O BMS-790052, descrito na Nature, desativa outra proteína - a NS5A. Ainda está na fase 2 de testes em seres humanos, mas já traz resultados promissores: de todas as substâncias estudadas apresentou a mais alta eficácia na menor concentração.
Os testes envolveram 16 pacientes com, no mínimo, 100 mil vírus por mililitro de sangue analisado. Cerca de 100 microgramas do BMS-790052, administrado por via oral, derrubaram a carga viral para até 18 vírus por mililitro de sangue, no limiar do que os testes mais avançados conseguem detectar (aproximadamente 10 vírus por amostra). O efeito persistiu por seis dias após o tratamento.
Espera. Carlos Varaldo, presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, participou há alguns dias de um congresso mundial em Viena sobre a doença. Varaldo conta que há perspectivas promissoras para as novas drogas, mas "são medicamentos para daqui a dois, três ou mais anos".
Mesmo assim, os autores do trabalho publicado na Nature apontam que o BMS-790052, associado a drogas similares, constitui "um componente valioso de uma provável (futura) terapia que não utilize interferona". E, portanto, sem os efeitos adversos associados.
O BMS-790052 foi descoberto pela indústria farmacêutica Bristol-Myers, utilizando uma técnica computacional para desenvolvimento de novos medicamentos. Os pesquisadores usam um modelo matemático que projeta várias substâncias com potencial de neutralizar as proteínas essenciais para a replicação do vírus. Depois, sintetizam cada um dos compostos e testam sua eficiência in vitro. O novo candidato emergiu de um banco de dados com cerca de um milhão de concorrentes.
Perfil. "São resultados muito interessantes", afirmou a pesquisadora brasileira Elisabeth Lampe, chefe do Laboratório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz), no Rio.
Ela coordena um grupo de pesquisa que investiga o genoma das cepas de vírus da hepatite C que circulam no Brasil.
Um dos principais objetivos de seu laboratório é determinar o perfil da epidemia no País e, no futuro, identificar o surgimento de cepas resistentes aos tratamentos. As informações servirão como subsídio para determinar quais drogas devem ser incluídas no futuro coquetel do programa de combate à doença.
Análises genéticas preliminares já mostraram que cerca de 5% dos vírus do genótipo 1 no Brasil já possuem alguma resistência às drogas em teste que atuam sobre a proteína NS3.
Para entender
1. O que é a hepatite C?
Doença causada por um vírus que ataca as células do fígado. Em 15% dos casos, provoca uma infecção aguda que acaba sendo curada pelo organismo. Mas, em 85% dos infectados, evolui para uma forma crônica que pode levar a doenças hepáticas como cirrose e câncer.
2. Como é transmitida?
A doença é transmitida por sangue contaminado. Em circunstâncias raras ocorre a transmissão por via sexual e a transmissão vertical (da gestante para o filho).
CRONOLOGIA
1989
Pesquisadores descobrem o vírus da hepatite C, o mais novo patógeno com grande impacto na saúde pública. Foi estabelecido seu papel na origem de muitas doenças hepáticas.
1993
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu a obrigatoriedade de testes para verificar a presença do vírus da hepatite C em todos os bancos de sangue do País.
2002
Criação do Programa Nacional de Controle de Hepatites Virais. Na época, o governo estimava que havia de 1 a 2 milhões de pessoas infectadas no País. Apenas 5 mil recebiam tratamento.
2009
Incorporação do Programa Nacional de Controle de Hepatites Virais no Programa Nacional de DST/Aids, que passou a se chamar Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.
Cerca de 200 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus da hepatite C no mundo. Um porcentual significativo - de 30% a 40% - pode desenvolver doenças hepáticas como cirrose e câncer. Estima-se que 70% dos pacientes na fila de transplante de fígado carreguem o vírus.
O único protocolo terapêutico disponível prevê injeções de interferon alfa e comprimidos de ribavirina. Os remédios não agem diretamente sobre o vírus, mas melhoram a resposta do sistema imunológico. Contudo, têm efeitos adversos sérios, que vão de dor de cabeça e náusea a alterações comportamentais.
Como o calvário dura de 24 a 72 semanas, muita gente desiste no meio do caminho. A eficácia também não é boa. Nas pessoas infectadas com o genótipo 1 do vírus - o mais comum no País -, menos de 50% dos pacientes respondem de forma satisfatória.
No Brasil, os doentes precisam assinar um termo de consentimento informado para ter acesso aos remédios pelo Sistema Único de Saúde (mais informações nesta página). O documento avisa que a medicação é "contraindicada durante a gestação por causar graves defeitos nos bebês". Além disso, o tratamento é caro: só o interferon alfa pode custar R$ 18 mil, sem contar a ribavirina e exames para verificar a resposta à terapia.
Tal cenário criou uma verdadeira corrida das indústrias farmacêuticas para identificar substâncias que poderiam combater diretamente o vírus. Uma revisão de estudos publicada na revista Viruses há três semanas enumera 28 compostos que já estão na mira dos fabricantes.
Estratégia. Como o HIV, o vírus da hepatite C apresenta alta taxa de mutação. Qualquer terapia vai exigir um coquetel de drogas para explorar mais de um ponto fraco do vírus. Assim, uma única mutação não será suficiente para que o microrganismo se torne imune ao tratamento.
Apenas dois candidatos estão na fase 3 de testes em seres humanos (a última etapa antes da aprovação para venda): o telaprevir - da Vertex Pharmaceuticals - e o boceprevir - da MSD. O telaprevir e o boceprevir agem sobre uma proteína que o vírus utiliza para coordenar seu processo de replicação: a NS3.
O BMS-790052, descrito na Nature, desativa outra proteína - a NS5A. Ainda está na fase 2 de testes em seres humanos, mas já traz resultados promissores: de todas as substâncias estudadas apresentou a mais alta eficácia na menor concentração.
Os testes envolveram 16 pacientes com, no mínimo, 100 mil vírus por mililitro de sangue analisado. Cerca de 100 microgramas do BMS-790052, administrado por via oral, derrubaram a carga viral para até 18 vírus por mililitro de sangue, no limiar do que os testes mais avançados conseguem detectar (aproximadamente 10 vírus por amostra). O efeito persistiu por seis dias após o tratamento.
Espera. Carlos Varaldo, presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, participou há alguns dias de um congresso mundial em Viena sobre a doença. Varaldo conta que há perspectivas promissoras para as novas drogas, mas "são medicamentos para daqui a dois, três ou mais anos".
Mesmo assim, os autores do trabalho publicado na Nature apontam que o BMS-790052, associado a drogas similares, constitui "um componente valioso de uma provável (futura) terapia que não utilize interferona". E, portanto, sem os efeitos adversos associados.
O BMS-790052 foi descoberto pela indústria farmacêutica Bristol-Myers, utilizando uma técnica computacional para desenvolvimento de novos medicamentos. Os pesquisadores usam um modelo matemático que projeta várias substâncias com potencial de neutralizar as proteínas essenciais para a replicação do vírus. Depois, sintetizam cada um dos compostos e testam sua eficiência in vitro. O novo candidato emergiu de um banco de dados com cerca de um milhão de concorrentes.
Perfil. "São resultados muito interessantes", afirmou a pesquisadora brasileira Elisabeth Lampe, chefe do Laboratório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz), no Rio.
Ela coordena um grupo de pesquisa que investiga o genoma das cepas de vírus da hepatite C que circulam no Brasil.
Um dos principais objetivos de seu laboratório é determinar o perfil da epidemia no País e, no futuro, identificar o surgimento de cepas resistentes aos tratamentos. As informações servirão como subsídio para determinar quais drogas devem ser incluídas no futuro coquetel do programa de combate à doença.
Análises genéticas preliminares já mostraram que cerca de 5% dos vírus do genótipo 1 no Brasil já possuem alguma resistência às drogas em teste que atuam sobre a proteína NS3.
Para entender
1. O que é a hepatite C?
Doença causada por um vírus que ataca as células do fígado. Em 15% dos casos, provoca uma infecção aguda que acaba sendo curada pelo organismo. Mas, em 85% dos infectados, evolui para uma forma crônica que pode levar a doenças hepáticas como cirrose e câncer.
2. Como é transmitida?
A doença é transmitida por sangue contaminado. Em circunstâncias raras ocorre a transmissão por via sexual e a transmissão vertical (da gestante para o filho).
CRONOLOGIA
1989
Pesquisadores descobrem o vírus da hepatite C, o mais novo patógeno com grande impacto na saúde pública. Foi estabelecido seu papel na origem de muitas doenças hepáticas.
1993
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu a obrigatoriedade de testes para verificar a presença do vírus da hepatite C em todos os bancos de sangue do País.
2002
Criação do Programa Nacional de Controle de Hepatites Virais. Na época, o governo estimava que havia de 1 a 2 milhões de pessoas infectadas no País. Apenas 5 mil recebiam tratamento.
2009
Incorporação do Programa Nacional de Controle de Hepatites Virais no Programa Nacional de DST/Aids, que passou a se chamar Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.
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