domingo, 5 de abril de 2009

REVISTA EPOCA
03/04/2009 - 15:52
Drauzio Varella e os transplantes


O médico estreia uma nova série sobre o assunto e descobre que o problema no Brasil não é a falta de órgãos, mas a falta de recursos médicos para aproveitá-los
Cristiane Segatto

CRISTIANE SEGATTO cristianes@edglobo.com.br Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
No dia 12, o médico Drauzio Varella estreia mais uma de suas ótimas séries exibidas no Fantástico, da TV Globo. Desta vez, o nome será Transplante, o dom da vida.

Drauzio passou mais de um ano trabalhando no tema. Viajou pelo Brasil e para países como China, Espanha e Estados Unidos para conhecer de perto realidades que podem contribuir para a melhoria do sistema brasileiro.

Teve tempo e dinheiro à vontade para apurar o que fosse necessário, um investimento raríssimo na imprensa brasileira. Conversei com ele nesta semana para saber o que descobriu. Assim como os bons repórteres, Drauzio acha que nada substitui o trabalho de campo. As ideias preconcebidas que temos antes de começar a apurar uma reportagem e toda a discurseira que ouvimos na redação costumam cair por terra quando encaramos a realidade como ela é.

Na área de saúde (e acho que nas outras também), isso acontece o tempo todo. Drauzio tinha a convicção de que faltam órgãos para transplante porque as famílias dos mortos não aceitam doar.

Durante a apuração das reportagens, aprendeu que estava errado. Em São Paulo, 70% das famílias aceitam fazer a doação. A cada ano, o estado registra 14 mil mortes encefálicas. Isso significa que haveria quase 10 mil doadores potenciais a cada ano. Em 2008, no entanto, o estado que concentra o maior número de transplantes do país realizou apenas 1.317 procedimentos desse tipo.

As filas não andam porque a captação de órgãos no Brasil é muito deficiente. A captação é o nome técnico para a série de procedimentos necessários para que a retirada dos órgãos se concretize. O cadáver precisa ser mantido num leito de UTI e receber uma série de cuidados para que os órgãos não entrem em sofrimento. Além disso, o médico que relata o óbito à central de transplantes precisa preencher uma papelada que toma um tempo que ele simplesmente não tem. "Quando o médico tem dez doentes para cuidar e ainda precisa zelar pelo cadáver, ele escolhe os vivos", diz Drauzio Varella.
Drauzio foi à Espanha para entender como os espanhóis resolveram esse problema. É o país que tem o maior índice de doação por habitante em todo o mundo. Descobriu que a solução pode ser simples. Em cada hospital de grande movimento há um plantonista contratado exclusivamente para cuidar dos cadáveres na UTI e preencher todos os papéis necessários para a realização dos transplantes. "O custo de se manter um plantonista a mais em cada hospital é infinitamente inferior ao benefício oferecido pelos transplantes a tantas pessoas", afirma Drauzio.
O médico viajou também aos Estados Unidos para conhecer as técnicas mais avançadas e esteve na China. Foi a primeira equipe de TV brasileira a filmar um transplante de rim intervivos no país. Os transplantes desse tipo vem crescendo na China. Durante muitos anos, no entanto, o país conseguiu reduzir a espera pelas cirurgias ao usar órgãos de condenados à morte. O utilitarismo chinês é chocante. Uma ambulância estaciona ao lado do local onde os presos são executados. O cadáver é levado para o carro e aberto ali mesmo para a retirada dos órgãos. "Quando estive lá, os chineses disseram que estavam deixando de usar esse sistema", diz Drauzio, sem muita convicção.

Ainda não assisti à série, mas imagino que tenha sido tão bem feita quanto as anteriores. Durante meses, Drauzio acompanhou doentes brasileiros que foram inscritos na lista de transplante e se tornaram reféns de decisões alheias.

Entrar numa fila dessas é uma das experiências mais devastadoras que uma pessoa pode enfrentar. Durante os últimos anos, entrevistei muitos brasileiros nessa situação – principalmente os da fila do fígado, a lista mais cruel. Seis mil brasileiros disputam um fígado. Dois em cada três inscritos morrem antes de conseguir o transplante. Nunca esqueci um desses doentes. Humberto Costa tinha 54 anos e morava na Bahia quando outro Humberto Costa era o ministro da Saúde. Com o fígado destruído pela hepatite C, Humberto (o sem poder) foi inscrito na fila de transplantes de São Paulo em 2000. Esperou cinco anos até se tornar o primeiro da fila entre os pacientes com tipo sanguíneo B. Achou que sua vez havia chegado.

Mudou-se para São Paulo com a mulher e instalou-se num flat apertadinho perto do hospital à espera do telefonema salvador. Quando o conheci, ele estava há oito meses como o primeiro da fila. E o telefonema nunca aconteceu. Reproduzo aqui um pouco de sua agonia:
Humberto Costa usava práticas orientais na tentativa de melhorar a qualidade de vida e sobreviver na fila do transplante de fígado. Não conseguiu: morreu antes.
"Sonho que meu doador apareceu e acordo à noite achando que o telefone está tocando. Quando a bateria do celular descarrega, fico tenso. Só estou aguentando esse drama porque descobri uma prática oriental que contribui para a purificação física e espiritual. Não quero perder meu lugar na fila depois de tanto tempo".
A preocupação de Costa era totalmente justificável. Naquele momento, em julho de 2005, o Ministério da Saúde pretendia mudar os critérios para inclusão de pacientes na fila do fígado. Até aquela data, o que valia era a ordem cronológica (os pacientes que entraram na fila primeiro eram operados primeiro). As autoridades resolveram adotar o critério de gravidade (chamado de Meld). Por esse critério, os pacientes em estado mais grave ganham pontos adicionais e ocupam as primeiras posições na fila. Para alguns especialistas, a mudança foi benéfica porque deu alguma chance aos pacientes graves que não resistiriam à espera. Para outros especialistas, a mudança não será capaz de produzir benefícios enquanto a oferta de fígados for imensamente inferior à quantidade de candidatos. A discussão é infindável, mas a alteração de critérios mudou a história de Humberto. As autoridades alteraram a regra com a bola em campo (como se diz no futebol). Não houve uma fase de transição. De uma hora para outra, o doente que permaneceu durante oito meses como o primeiro da fila perdeu dezenas de posições na lista. Alguns meses depois, recebi um telefonema da Bahia. Do outro lado da linha, um parente de Humberto me deu a notícia: – Ele morreu. Sem conseguir o transplante.

Você tem algum conhecido que está ou esteve na fila de transplante? O que você acha que o Brasil deveria fazer para melhorar o sistema. Queremos ouvir a sua opinião.

Comentários
luiz kunimatsu wada SP / Araçoiaba da Serra 05/04/2009 03:02 transplantes: primeira coisa os meu agradecimentos ao reconhecimentos da precuridade do Brasil sobre os Tranplantes perdas de Órgaos por falta de recursos primários que o nosso Brasil poderia ser um pais de premeiro no mundo dos transplantes para mim os melhores médicos na medicina e quimicos sao do Brasil mais os recurssos parassada pelo governa falta muito para que seja realidade mais a realidade que o Brasil a a area social esta faltando recurssos que o nosso presidente ve nos pobremas que tem o Brasil nao tem hospitas e muito menos pessos enfermeiros e ajudantes com capacidadese amor ao proximo falo isso porque moro no Japao a 18 anos e vejo como e aqui e talves posso passar auguma coisa de util para o brasil aqui nao tem sus tudo e pago se vc tiver seguro da prefeitura vc so paga 30% do valor real e nao tem sindicato ou memos iss o qualquer desconto no salario e ai nos recebemos tudo com desconto e nada vemos para nos aproveitar disso e temos que fazer um plano de saude que tem carencia absudo isso por isso que o Brasil tem que melhorar muito as leis ou melhor usa-la e cumprir para todos igual somos humanos sendo pobres ou ricos e temos o direito de termos uma vida melhor na parte social obrigado desculpe os erros de portugues.


Rafael RJ / Rio de Janeiro 05/04/2009 02:28 A tal da corrupção...Sem falso pessimismo, mas em um país que a lei para os ricos só ficam no papel e os políticos usam o dinheiro do estado para os seus próprios bens.Com isso fica difícil acreditar que as listas de transplantes não sejam corrompidas. Todavia, tirando o lado pessimista da coisa, o governo deveria lança uma campanha de públicidade massisa para a conscientização da importância doação de orgãos.

Brito BA / Itaparica 05/04/2009 00:09 Muito grato...Ficou muito agradecido pela reportagem, o dr. Drauzio, está de parabéns, pois eu acompanho de perto alguns paciente com IRC - insuficiência renal crôninca, que, na sua ansiedade se angustia fala falta de uma oportunidade em sair de uma máquina de hemodiálise, alguns por sinal, tem parentes q nem se quer ligam para os mesmos. Aí, de quem é a culpa? Provavelmente as informações estão tão longe desses q nem sequer podem oferecer os seus órgãos para os seus parentes, como o medo tem chegado a eles, creio eu q é preciso uma orientação mais precisa, no entanto, essas pessoas em máquina de hemodiálise poderão assim ficarem livre, pois, apesar da mesma ser uma das terapias q poder dar uma sobrevivência aos pacientes com IRC. Mas, eles não querem ficar o tempo todo nessa máquina, então é preciso esclarecer, abrir a cabeça de cada brasileiro sobre a doação seja ela qual for.Dico isso, pois uma dia eu precisei de um rim, e hoje estou livre da máquina, graças a Deus e a minha prima!Repito, a falta de informação tem deixado a desejar..."NENHUM DE NÓS PODE CONSIDER-SE LIVRE DA POSSIBILIDADE DE PRECISAR DE UM ÓRGÃO TRANSPLANTADO, O DESTINO APONTA PARA QUALQUER UM." João Ubaldo

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