quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

ATX-BA: TRANSPLANTE RENAL NA BAHIA POR GIDEON ROSA

Transplante renal na Bahia: um quadro desolador

 
Por Gideon Rosa
A Bahia ocupa hoje a antepenúltima posição no ranking de transplantes de rins no Brasil, atrás de Pernambuco, Ceará, Roraima, Pará e Maranhão. Alguns diriam: ”Um absurdo”. Eu, no entanto, digo: isto é fruto da mais absoluta indiferença das autoridades em relação aos cerca de 10 mil pacientes renais da Bahia; a maioria deles em hemodiálise. Em resumo, pacientes terminais, isto é, cuja continuidade de vida depende de uma máquina sobre a qual a engrenagem de funcionamento gera milhões para a indústria da medicina.
A Bahia vem se mantendo como o sexto estado mais rico do Brasil, mas isso, em absoluto, não se reflete nos serviços públicos, muito menos na qualidade de vida de seus cidadãos. Há um fosso abissal quando se compara a Bahia a outros Estados (mesmo no Nordeste) quando o assunto é a questão do tratamento renal. Por exemplo, na Bahia ainda existem pacientes renais desesperados por uma vaga em uma máquina de hemodiálise. Para não morrer, as UTIs dos hospitais (que sempre possuem algumas máquinas) vão se esforçando em dar alguma sobrevida a pacientes críticos. Mas o deficit é grande, muito embora este número esteja naquela máxima que diz: “quem souber morre”. É a tal da propositada subnotificação. Estima-se que haja cerca de 60 pacientes no limbo, mensalmente, à espera de uma vaga em alguma clínica. Dez milhões de pessoas no Brasil possuem um problema renal sem o saber. O porvir preocupa.
Apenas para refletir: neste momento os integrantes dos 12 partidos que apoiam o atual Governo estão se digladiando pelos cargos do segundo escalão e todas suas subdivisões. Nenhum sequer tomou para si a tarefa de se ocupar com este problema da vida real. Lastimável. Mais lastimável ainda é o eleitorado que não usa a cabeça para pensar sobre os diversos problemas da sociedade e vota como autômato.
O transplante renal na Bahia em 2012/2013 começou a receber uma ajuda determinante de Santa Casa de Itabuna que, sozinha, alavancou as estatísticas de transplantes em nosso território, que são historicamente pífias. Algo como 40 transplantes, em média, por ano, ao longo dos últimos anos (para se ter um parâmetro: apenas o Hospital do Rim em São Paulo realiza em média 1.000 por ano). Em pouco mais de um ano de funcionamento, Itabuna conseguiu fazer quase 100 transplantes. Isto foi muito mais do que todos os três hospitais de Salvador juntos. Agora, o programa de transplante de Itabuna está em banho-maria, assim como os três hospitais de Salvador. A razão? As equipes transplantadoras dizem que estão sem pagamento, não existem medicamentos para o período pós-transplante (Gangiglovir), o que obriga aos pacientes permanecerem desnecessariamente internados.
É urgente que o novo secretário da Saúde se debruce sobre este assunto e estabeleça um cronograma que garanta o planejamento para que não faltem medicamentos de alto custo – como aconteceu ao longos dos últimos oito anos. Que o sistema tenha todas as suas ações unificadas pelo SUS – como acontece em São Paulo – e quem possui plano privado não lesaria ninguém já que o SUS possui um eficiente esquema de ressarcimento. Que as equipes captadoras de órgãos, assim como as transplantadores fossem reorganizadas e devidamente pagas. Estes procedimentos azeitariam o sistema de tratamento renal na Bahia (diálise, hemodiálise e transplante).
Para ludibriar a população, principalmente em período eleitoral, juntam-se os números de transplantes realizados em todas as áreas e fala-se em um total absoluto de transplantes que deixa a todos orgulhosos. Mas é pífio se olhado isoladamente por setor. Em 2013, a Bahia realizou 90 transplantes renais (quase todos em Itabuna). Em 2014 foram apenas 62, segundo dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos). A Santa Casa de Itabuna contribuiu com quase nada em 2014 porque ficou parada durante o primeiro semestre e voltou a realizar cirurgias esporádicas na segunda metade do ano, e continua assim até o presente momento.
Dentre os quase 10 mil pacientes em diálise na Bahia, apenas 1.600 estão na fila de transplante, se é que o número está correto. Por que tão poucos na fila de transplante? Ninguém sabe responder objetivamente. Claro que existem aqueles que não desejam ser transplantandos, mas existe uma lenda cujo plot diz que é melhor deixar os renais nas máquinas de hemodiálise pois elas são muito mais rentáveis para o sistema. Não acredito, isso seria de um mercantilismo cruel e vergonhoso para a Medicina.
A situação fica pior quando se tem uma estatística que projeta para cada um milhão de pessoas pelo menos 05 afetados pela falência renal. Também se agrava quando não se pode falar com objetividae sobre quantos estão fora do programa (existe uma demanda oculta, que é uma caixa preta). É o tipo de informação “quem souber morre”, a não ser que seja do interesse da ABCDT (Associação Brasileira das Clínicas de Diálise e de Transplantes) que, quando deseja apertar o cerco por maiores ganhos, levanta os números com rapidez e precisão.
Agora, outro ponto que proponho para reflexão: quando os estádios de futebol desabam ou há necessidade de se construir complexos esportivos, aí, como num passe de mágica, surgem bilhões e as construções são feitas com uma rapidez estonteante. Note-se: os complexos esportivos atingem milhões de eleitores. Então, que representam alguns míseros eleitores terminais? Para que tanto esforço e investimento para salvar uma parcela que rende tão pouco na urna? É uma lógica perversa, mas serve para pensar. A variável é uma máxima popular que diz: o pau que dá em Chico, também dá em Francisco.
O novo gestor na Sesab, sem dúvida, deveria dar a este assunto o mesmo nível de importância que a sexta economia nacional merece. A situação dos transplantes tem evoluído positivamente no Ceará, que está sempre dando lições a Bahia no quesito desenvolvimento. Atualmente, para não nos humilharmos muito, já podemos fazer comparações com outros estados nordestinos. É um avanço! No entanto, a Bahia não avança, insiste ainda numa mentalidade colonial: pedidos, favores, pouca transparência, facilidades para quem tem mais recursos financeiros ou ligações subterrâneas…..
Gideon Rosa é ator, professor e jornalista.
http://tomribeiro.blog.br/transplante-renal-na-bahia-um-quadro-desolador/

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