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Tráfico de órgãos comércio clandestino que vende até cadáver inteiro O enfermeiro A.L. teve o órgão de um de seus familiares supostamente roubado em um hospital municipal em São Paulo. A.L. denunciou o caso à polícia e hoje vive com medo de ser perseguido. Por isso, não permite ser fotografado e se esconde atrás de suas iniciais. Ele viveu um drama típico de roteiro de cinema. Mas sua história é real. Faz parte de um escândalo que foge ao controle das autoridades brasileiras. Os fatos: passava pouco mais das 5h da madrugada de 14 de maio de 2008 quando o enfermeiro, acompanhado de sua tia M.R.S., entrou no necrotério do Hospital Municipal do Tatuapé, para o reconhecimento e preparação do corpo de sua avó Adelina Ribeiro dos Santos, falecida naquele centro médico, horas antes, em decorrência de necrose de alças intestinais, septicemia e falência múltipla dos órgãos. Próximo ao local, A.L. observou que a sala estava com a porta entreaberta e que lá dentro, além de dois cadáveres expostos em duas mesas lado a lado, outras duas pessoas vestidas com jalecos brancos movimentavam os corpos. Ao chegar perto, o enfermeiro constatou que a equipe médica, que estava no local, e que não era do quadro de funcionários do hospital, retirava o globo ocular de sua avó. "Na hora que olhei para minha avó, vi que seus órgãos estavam sendo roubados", conta. "Ela não era doadora. Mesmo se fosse, morreu de infecção generalizada e seus órgãos não podiam ser transplantados", lembra. De imediato, A.L. mandou que as duas mulheres parassem o que faziam, chamou a polícia e não deixou que ninguém abandonasse o local.
Na verdade, o enfermeiro já havia ouvido a acusação de que aquele mesmo hospital público tinha sido denunciado, em 2007, pelo Conselho de Enfermagem de São Paulo, ao Ministério da Saúde, como um local onde ocorriam retiradas ilegais de córneas. "Foi um erro, uma troca acidental. Assumimos isso diante da polícia", admite Edil Vidal de Souza, superintendente do Banco de Olhos. O Ministério Público de São Paulo não concordou que tudo se resumiu a uma falha de procedimento. "A remoção do globo ocular do corpo de Adelina desobedeceu, de forma intencional, todas as normas vigentes", diz o promotor Roberto Porto. "Não há como alegar engano na identificação dos corpos", completa. Agora, passado um ano, a Justiça paulista, de forma inédita, aceitou a denúncia dos promotores do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) contra o Banco de Olhos pela prática de crime de retirada de órgãos sem a autorização da família e marcou o julgamento para novembro. "A doação é louvável e importantíssima para salvar outras vidas, mas o governo tem de criar controles mais rígidos para fiscalizar as captações de órgãos", entende Porto. Segundo a direção do Hospital do Tatuapé, eles só cedem o espaço físico ao Banco de Olhos e nada têm a ver com a captação de órgãos. | ||||
Tráfico de órgãos Estas irregularidades não são exclusividade do Estado de São Paulo. A freira Maria Elilda Santos que coordena a ONG Organ Traffic, ligada à Igreja Católica, que combate o tráfico de órgãos no Brasil e na África, já tinha alertado as autoridades brasileiras sobre a atuação desse suposto esquema criminoso. "Nenhum doador sabe se de fato seus órgãos foram para quem está na fila de transplante", diz Elilda. Pior: ela desconfia das estatísticas oficiais. Em 2008, foram feitos 17.428 transplantes. No entanto, segundo a Organ Traffic, sem nenhum controle, porque as equipes agem por conta própria em hospitais e necrotérios, como no caso da avó de A.L. No Brasil, existem 1.282 equipes habilitadas em 937 hospitais para realizar tais procedimentos. O mais grave é que o MP paulista descobriu que muitos desses funcionários recebem comissão para conseguir os órgãos. "São quadrilhas que se escondem atrás do nome de captadores e agem sem escrúpulos para cumprir uma demanda", diz Elilda. A freira, que denunciou o drama de A.L. à Organização dos Estados Americanos (OEA), e o promotor Porto entendem que deve ser feito um acompanhamento da retirada dos órgãos por agentes públicos. Em 2007, o Ministério da Saúde fez um acordo com o Conselho Federal de Enfermagem de só permitir o procedimento de extração de córneas com a supervisão de um enfermeiro. Organizações como a de Elilda, amparadas em números da ONU, calculam que a máfia do tráfico de órgãos movimenta no mundo entre US$ 7 milhões e US$ 12 milhões ao ano. Nesse mercado existe até uma tabela de preços que orienta a comercialização de partes do corpo humano entre os países. Um coração vale R$ 100 mil, um rim R$ 80 mil e as córneas chegam a custar R$ 20 mil. Vende-se de tudo. "Há ofertas de fígado, pulmão e até do cadáver inteiro", denuncia Elilda. "Na maioria dos casos, os traficantes comercializam na internet", conta.
As investigações mostraram que a tentativa de golpe teve a colaboração do papiloscopista do Instituo Médico Legal de Curitiba, João Alcione Cavalli, que assina os atestados de óbito. Depois da prisão, descobriu-se que o médico supostamente se envolveu na venda de outros cinco corpos. A investigação continua. Porém, esses não são os únicos casos que envolvem o IML da capital paranaense, que está sob intervenção do próprio governo estadual. |
domingo, 17 de maio de 2009
REVISTA ISTO É
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