ESTADÃO DE HOJE/Vida&
Domingo, 24 de Maio de 2009
Estudo no interior de SP obtém órgãos embrionários que podem, no futuro, ajudar na recuperação de doenças
Roberto Godoy
Foi logo de manhã, num dia de muito calor, em março, que ficou pronto o exame das primeiras amostras. Debaixo das lentes do histologista Sebastião Taboga, na unidade de Microscopia e Microanálise da Unesp, havia uma descoberta: um pequeno rim, ao lado de um baço, e, como se constatou em seguida, um pâncreas. São órgãos embrionários - novos tecidos -, mas desenvolvidos com base em culturas de células-tronco.
A pesquisa está sendo desenvolvida na Faculdade de Medicina (Famerp), em São José do Rio Preto (450 km de SP), com envolvimento de equipes da Unesp, da USP e de uma empresa de biomedicina, a Braile Biomédica. "Houve até uma certa emoção", segundo o coordenador do programa, professor Mário Abbud Filho, chefe do Departamento de Nefrologia e Transplantes.
Abbud não sabe o que "os brotos ou botões" de rim surgidos poderão gerar. Ele duvida que, mesmo a longo prazo, possa haver um novo órgão, completo e funcional, decorrente do trabalho. "Mas estão presentes túbulos e glomérulos, partes essenciais dos rins que poderão, sim, permitir, em um tempo que não pode ser estimado, a produção de componentes do órgão com as quais será possível recuperá-lo e restaurá-lo", afirma. Os sinais são bons. Os glomérulos, por exemplo, compõem a primeira estrutura de filtragem do sistema.
A aventura científica teve início bem antes disso, em 2005, "quando surgiu a proposta de apurar, com segurança, qual seria a interferência da aplicação de células-tronco em rins cronicamente doentes", explica Abbud. Foi montada a infraestrutura e formado um grupo enxuto, que envolve 12 especialistas, biólogos e médicos.
O grupo induziu uma espécie de enfarte nos rins das cobaias, ratos de laboratório nos quais a insuficiência renal crônica atinge então índices muito altos. Os primeiros resultados "foram estimulantes", relata a bióloga Heloisa Caldas, responsável pelos estudos experimentais do Litex - Laboratório de Imunologia e Transplante Experimental. De fato. Depois de extraídas da medula óssea, as células-tronco eram injetadas diretamente sobre o órgão doente. Na maioria dos casos "ficou clara a desaceleração da deficiência e observada significativa recuperação", explica o médico Abbud.
São usados dois tipos de célula: mononucleares e mesenquimais (mais informações nesta pág.). "Desse ponto em diante foram observados outros resultados positivos, como o menor número de mortes no limite de 120 dias no lote que recebeu infusões de mononucleares", diz a pesquisadora Heloisa Caldas.
Qual seria a medida padrão a ser aplicada? Quantas injeções seriam necessárias? O procedimento era o correto? "As dúvidas, debatidas pelo grupo, levaram a ampliação do experimento", explica Abbud. As células-tronco passaram a ser implantadas depois de passar duas semanas em cultivo e sobre a base de um biomaterial, a serosa porcina, uma membrana que reveste o intestino do porco. "Funcionou como uma espécie de tampão, que impedia o eventual refluxo da cultura", diz o médico. A avaliação histológica revelou, 90 dias mais tarde, os primeiros sinais, ainda pouco definidos, dos novos tecidos renais.
Um segundo suporte biológico, a base de pericárdio (tecido que envolve o coração) bovino, entrou no processo, com pouco mais de sofisticação: o suporte biológico, fornecido pelo Instituto de Química da USP, em São Carlos, passou a ser liofilizado - processo de secagem radical e de eliminação de substâncias voláteis. As cobaias injetadas com as células mononucleares repetiram o desempenho anterior, de retardar o avanço da doença. As que receberam lotes mesenquimais "apresentaram claramente novos brotos de rins, baço e pâncreas", frisa Mário Abbud.
O ensaio foi repetido e obteve resultados semelhantes todas as vezes, cinco ratos com tecido linfoide do baço, outros dois também com tecido renal e de pâncreas. As próximas etapas "serão muitas e vão exigir de três a cinco anos de trabalho", destaca a bióloga Kawasaki. O comunicado à comunidade científica foi feito em Salvador, no dia 7, durante o Congresso Internacional TTS New Key Leader Meeting, promovido pela Sociedade de Transplante.
A boa sorte tem peso na pesquisa. Um procedimento de alta complexidade, a expressão gênica (ExG), o estudo da constituição genética total de um determinado material biológico - "é com ele que saberemos se cada segmento é o que parece ser" - consumiria muito tempo. Acontece que na Universidade Harvard há um cientista brasileiro, amigo de Abbud. E é lá que atua Douglas Melton, talvez o mais avançado especialista na área de ExG. Se tudo correr bem, o grupo de São José do Rio Preto poderá mandar para Harvard o material produzido e uma bióloga para aprender as técnicas. Por aqui, os testes prosseguem, provavelmente com uso de chimpanzés e a indução de doença renal em índices mais favoráveis, menos graves.
A pesquisa está sendo desenvolvida na Faculdade de Medicina (Famerp), em São José do Rio Preto (450 km de SP), com envolvimento de equipes da Unesp, da USP e de uma empresa de biomedicina, a Braile Biomédica. "Houve até uma certa emoção", segundo o coordenador do programa, professor Mário Abbud Filho, chefe do Departamento de Nefrologia e Transplantes.
Abbud não sabe o que "os brotos ou botões" de rim surgidos poderão gerar. Ele duvida que, mesmo a longo prazo, possa haver um novo órgão, completo e funcional, decorrente do trabalho. "Mas estão presentes túbulos e glomérulos, partes essenciais dos rins que poderão, sim, permitir, em um tempo que não pode ser estimado, a produção de componentes do órgão com as quais será possível recuperá-lo e restaurá-lo", afirma. Os sinais são bons. Os glomérulos, por exemplo, compõem a primeira estrutura de filtragem do sistema.
A aventura científica teve início bem antes disso, em 2005, "quando surgiu a proposta de apurar, com segurança, qual seria a interferência da aplicação de células-tronco em rins cronicamente doentes", explica Abbud. Foi montada a infraestrutura e formado um grupo enxuto, que envolve 12 especialistas, biólogos e médicos.
O grupo induziu uma espécie de enfarte nos rins das cobaias, ratos de laboratório nos quais a insuficiência renal crônica atinge então índices muito altos. Os primeiros resultados "foram estimulantes", relata a bióloga Heloisa Caldas, responsável pelos estudos experimentais do Litex - Laboratório de Imunologia e Transplante Experimental. De fato. Depois de extraídas da medula óssea, as células-tronco eram injetadas diretamente sobre o órgão doente. Na maioria dos casos "ficou clara a desaceleração da deficiência e observada significativa recuperação", explica o médico Abbud.
São usados dois tipos de célula: mononucleares e mesenquimais (mais informações nesta pág.). "Desse ponto em diante foram observados outros resultados positivos, como o menor número de mortes no limite de 120 dias no lote que recebeu infusões de mononucleares", diz a pesquisadora Heloisa Caldas.
Qual seria a medida padrão a ser aplicada? Quantas injeções seriam necessárias? O procedimento era o correto? "As dúvidas, debatidas pelo grupo, levaram a ampliação do experimento", explica Abbud. As células-tronco passaram a ser implantadas depois de passar duas semanas em cultivo e sobre a base de um biomaterial, a serosa porcina, uma membrana que reveste o intestino do porco. "Funcionou como uma espécie de tampão, que impedia o eventual refluxo da cultura", diz o médico. A avaliação histológica revelou, 90 dias mais tarde, os primeiros sinais, ainda pouco definidos, dos novos tecidos renais.
Um segundo suporte biológico, a base de pericárdio (tecido que envolve o coração) bovino, entrou no processo, com pouco mais de sofisticação: o suporte biológico, fornecido pelo Instituto de Química da USP, em São Carlos, passou a ser liofilizado - processo de secagem radical e de eliminação de substâncias voláteis. As cobaias injetadas com as células mononucleares repetiram o desempenho anterior, de retardar o avanço da doença. As que receberam lotes mesenquimais "apresentaram claramente novos brotos de rins, baço e pâncreas", frisa Mário Abbud.
O ensaio foi repetido e obteve resultados semelhantes todas as vezes, cinco ratos com tecido linfoide do baço, outros dois também com tecido renal e de pâncreas. As próximas etapas "serão muitas e vão exigir de três a cinco anos de trabalho", destaca a bióloga Kawasaki. O comunicado à comunidade científica foi feito em Salvador, no dia 7, durante o Congresso Internacional TTS New Key Leader Meeting, promovido pela Sociedade de Transplante.
A boa sorte tem peso na pesquisa. Um procedimento de alta complexidade, a expressão gênica (ExG), o estudo da constituição genética total de um determinado material biológico - "é com ele que saberemos se cada segmento é o que parece ser" - consumiria muito tempo. Acontece que na Universidade Harvard há um cientista brasileiro, amigo de Abbud. E é lá que atua Douglas Melton, talvez o mais avançado especialista na área de ExG. Se tudo correr bem, o grupo de São José do Rio Preto poderá mandar para Harvard o material produzido e uma bióloga para aprender as técnicas. Por aqui, os testes prosseguem, provavelmente com uso de chimpanzés e a indução de doença renal em índices mais favoráveis, menos graves.
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